Preservar a Amazônia é fundamental para a luta contra o aquecimento global

Constante ameaça do desmatamento coloca em risco a imensa biodiversidade da floresta e suas funções cruciais para a biosfera, comprometendo a estabilidade ambiental e a mitigação das mudanças climáticas

Crédito: Amazônia Real/ flickr

Por Carolina Sena, Laura Toyama, Mateus Dias, Matheus Alves e Victor Aguiar

Com sua vasta extensão territorial e uma biodiversidade única, a Amazônia é uma peça fundamental no complexo quebra-cabeça do equilíbrio climático global. A floresta desempenha papéis cruciais, desde a regulação do clima na América do Sul até atuar como um gigantesco sumidouro de carbono, que evita a chegada de dióxido de carbono na atmosfera. Seu ciclo hidrológico, que influencia os padrões de chuva, e a capacidade de absorver CO2 da atmosfera são serviços ecossistêmicos essenciais para a manutenção da biosfera. 

No entanto, a crescente taxa de desmatamento, impulsionada por atividades como pecuária e agricultura, ameaça prejudicar irreversivelmente essas funções. Diante disso, o Brasil e a comunidade internacional enfrentam o desafio crítico de equilibrar o desenvolvimento econômico com a preservação desse tesouro natural, cuja sobrevivência é crucial para enfrentarmos os desafios das mudanças climáticas.

Papel regional e global

A Amazônia é um dos biomas mais importantes do planeta. Com vastos 6,7 milhões de quilômetros quadrados de área e uma biodiversidade abundante e única, desempenha uma série de funções que, de forma conjunta, influenciam diretamente os padrões climáticos e a estabilidade ambiental. 

No âmbito regional, a floresta exerce um papel fundamental na regulação do clima. Isso porque a transpiração liberada pelas árvores na atmosfera forma nuvens, que geram chuvas, as quais alimentam não apenas a própria floresta, mas, também, grandes espaços ao redor. É graças a esse ciclo hidrológico, responsável por influenciar os regimes de chuvas em diversas partes da América do Sul, que se mantém o equilíbrio térmico e hídrico da região.

Outra função da floresta, que rendeu a ela a alcunha — cientificamente incorreta — de pulmão do mundo, é a de agir como um sumidouro de carbono. Em outras palavras, a Amazônia absorve CO2 da atmosfera e o armazena em sua biomassa. Esse processo também ajuda na regulação do clima global, na medida em que mitiga os efeitos do aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera, responsável pelo efeito estufa. 

É justamente por conta da relevância dessas funções que ações como o desmatamento e a exploração desenfreada dos recursos naturais na Amazônia são tão preocupantes para as comunidades brasileira e internacional. Com a destruição dramática de enormes áreas da floresta, a capacidade de absorção de carbono do ecossistema fica prejudicada. Ao considerarmos que muitas dessas atividades também são responsáveis pela liberação de gases do efeito estufa, os impactos climáticos acabam sendo ainda mais acentuados.

Segundo dados de 2022 do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o setor de florestas, que engloba desmatamento, calagem (tratamento de solo para uso agrícola), carbono orgânico no solo e a queima de resíduos florestais, aumentou 18,5% em relação ao ano anterior, e passou a representar 49% de todas as emissões do Brasil. Já em 2021, o desmatamento da Amazônia respondeu por 77% das emissões por mudanças de uso das terras e florestas.

Na escala global, os problemas tendem a ser igualmente graves. A perda de biodiversidade, o comprometimento dos serviços ecossistêmicos e a liberação de grandes quantidades de carbono para a atmosfera — que contribuem para o aquecimento global — são apenas alguns dos efeitos prejudiciais.

Causas do desmatamento

Há algumas atividades que se destacam no desmatamento da Amazônia brasileira. As principais causas são a pecuária, a agricultura de corte e queima e a agricultura em larga escala (latifúndios). Em anos recentes, a mineração também tem figurado como uma das atividades que incrementa a derrubada da mata da região. Segundo dados obtidos pelo portal Terra Brasilis, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia são os territórios mais afetados, com taxas de desmatamento acumulado de 34,64%, 31,41% e 13,64%, respectivamente.

A expansão da fronteira agrícola, que teve seu início na Mata Atlântica e, posteriormente, no Cerrado brasileiro, hoje tem como principal destino a região Norte. Somados, Amazônia, Cerrado e Caatinga corresponderam a 96,2% das perdas no ano de 2021, seguidos pela Mata Atlântica, que registrou 30.155 hectares desmatados no mesmo período, de acordo com dados divulgados pela Map Biomas, no ano passado. O avanço do desmatamento nos estados do norte se relaciona com a questão de delimitação de terras, especialmente territórios de preservação, avanço esse que não é encabeçado apenas por grandes produtores, mas, também, por pequenos e médios, especialmente nos últimos anos.

Crédito: Ecology and Society

A pauta da demarcação das terras indígenas também está diretamente ligada a preservação da região amazônica, porém pouco avançou na última década no Brasil. A demarcação representaria, para além da garantia de preservação do território como reduto cultural e histórico dos povos originários, a garantia da sobrevivência de uma vasta biodiversidade, que ainda nem é conhecida em sua totalidade. 

De acordo com o pesquisador Cauê Dias Carrilho, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, esse processo tem origem na época da ditadura militar, durante a qual o governo incentivou a migração para a região norte, sustentada na ideia de integração nacional. “O governo incentivou fluxos migratórios, fomentando-os a desmatar para ganhar títulos”, explica ele. A abertura dos terrenos para a construção da Rodovia Transamazônica, na década de 1970, e a ocupação desse território pelos trabalhadores ligados à obra, representa um marco do início desse processo. A relação entre o adensamento populacional na região e a subsequente retirada da mata original da Amazônia Legal, está ligada, desde sempre, a questões políticas. “O desmatamento é maior em torno de estradas e focos civilizatórios”, acrescenta o pesquisador.

Atuação do governo

A década de 1980 foi extremamente importante para o estabelecimento dos instrumentos de gestão das questões ambientais. A primeira lei com esse caráter a ser implementada no Brasil, a  Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), foi criada em 1981 com o objetivo de unificar as políticas públicas ambientais, as quais eram,  anteriormente, responsabilidade de cada estado e município. Em 1988, com a nova Constituição, a questão ambiental foi definida como prioritária. Durante os anos seguintes, diversos órgãos foram criados especificamente para a questão.

Outro marco importante foi o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), desenvolvido em 2004, durante o primeiro Governo Lula, pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. “Esse plano criou uma série de instrumentos que são essenciais até hoje. Foi quando começamos a fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR), documento georreferenciado que todo proprietário rural precisa fazer da sua propriedade.”, esclarece Carrilho.

Segundo o pesquisador, as informações obtidas a partir do CAR e as imagens de satélite permitiriam um cruzamento de dados que facilitaria a fiscalização sobre os responsáveis pelo desmatamento e a área desmatada. Contudo, por problemas de implementação, como o cadastro ser autodeclaratório (definido pelo proprietário), não é o cenário atualmente encontrado, mesmo que tenha sido um trabalho efetivo para reduzir o desmatamento entre 2004 e 2012, colocar o Brasil como referência na área e permitir que o país pudesse começar a receber os incentivos do instrumento desenvolvido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para recompensar países em desenvolvimento que estão buscando a preservação de seus recursos naturais, o REDD+ (Redução das Emissões Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal).

É evidente que os problemas ambientais voltaram a assolar o Governo Federal ainda durante o período de Dilma Roussef na Presidência e diante do caráter desenvolvimentista do Partido dos Trabalhadores (PT), como a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. De acordo com Alynne Affonso, pesquisadora do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEE) da USP, a região registrou uma redução bastante significativa das áreas alagáveis, mudanças na altura da superfície da água ao longo do tempo e uma transformação agressiva da paisagem. “A construção da hidrelétrica impactou a vida na Volta Grande do Xingu, tanto dos animais aquáticos do rio quanto das populações tradicionais que ali residem”, aponta a pesquisadora.

Ainda sim, o Governo Bolsonaro foi responsável por diversas perdas que o País teve na questão ambiental. “Houve um desmonte muito grande dos órgãos de fiscalização. Ainda não conheço nenhum estudo econométrico que consiga isolar o impacto do Governo Bolsonaro nisso, mas já foi possível observar o impacto do PPCDam na época da Marina Silva com um estudo que demonstra o sucesso do Plano”, complementa Carrilho.

Tentando demonstrar como é organizado dentro do Estado o gerenciamento atual das questões ambientais, o Portal Amazônia publicou o organograma abaixo:

Crédito: Portal AmazôniaSistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) é a instância máxima e é constituída por todas as estruturas do Poder Público que contribuem de alguma forma com a defesa do meio ambiente no Brasil. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) é responsável por assessorar e propor políticas ambientais ao Conselho de Governo (que orienta o presidente), definindo normas e padrões ambientais em suas competências

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) executa ações das políticas nacionais incluindo licenciamento ambiental, controle da qualidade, autorização de uso de recursos naturais e fiscalização, com personalidade jurídica própria e atuação em nível nacional e regional. Por fim, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) administra as unidades de conservação federais, visando à proteção do patrimônio natural e ao desenvolvimento socioambiental dentro dos limites legais estabelecidos.

Monitoração do desmatamento

Desde 1988, o desmatamento amazônico é monitorado via satélite por meio do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que disponibiliza as taxas de desmatamento anualmente no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Essas observações fornecem imagens nítidas das regiões desmatadas e permitem que as mudanças sejam rastreadas ao longo do tempo.

As imagens do Prodes são feitas pelo satélite Landsat e fornecem uma resolução espacial de 30 metros, tendo seus dados anuais geralmente divulgados em agosto. Mas, além desse projeto, desde 2004, o Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), fornece alerta diários de desmatamento da Amazônia ao Ibama.

O sistema monitora o desmatamento em municípios, áreas protegidas e bases de operação e fornece dados ao público mensal ou bimestralmente, com uma resolução de 64 a 56 metros. Atualmente, essas imagens são capturadas sensores WFI, do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS-4) e AWiFS, do satélite Indian Remote Sensing Satellite (IRS), que apesar de fornecerem menos detalhes que o Prodes, permitem que o monitoramento seja praticamente feito em tempo real pelos órgãos fiscalizadores.

De acordo com Thiago Ferreira da Nobrega, pesquisador da USP que utilizou dados do satélite geoestacionário GOES-16 para monitorar a emissão de aerossóis durante queimadas na Amazônia em sua tese de mestrado, o sensoriamento remoto permite cada vez mais obter informações acerca desses eventos.

“Com os equipamentos atuais, com satélites e resoluções temporais e espaciais cada vez melhores, conseguimos fornecer mais dados e esclarecer melhor esse tipo de evento. E, com o passar do tempo, poderemos explicar melhor para a população o que acontece e as possíveis consequências dos desmatamento e das queimadas”, completa o pesquisador.

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