Um estudo da Escola Politécnica (Poli) da USP identificou sete cepas de bactérias, encontradas em um sedimento marinho antártico, capazes de absorver gás carbônico e natural, além de gases de combustão e de nitrogênio, poluentes responsáveis pelo aquecimento global.
Os resultados de simulações do crescimento e reprodução desses microrganismos em condições industriais mostram que esses seres podem ser uma alternativa sustentável para reduzir a concentração de gases poluentes na atmosfera e combater o aumento das temperaturas no globo.
Uma das cepas encontrada apresentou surpreendentes taxas de produtividade, superando as de microalgas e outras bactérias, já usadas em outros métodos semelhantes. Trata-se da primeira cepa bacteriana do gênero Alcanivorax sp. a se comportar dessa forma. A descoberta também expande os conhecimentos sobre a biodiversidade marinha.
O estudo intitulado Seleção e isolamento de bactérias fixadoras de CO2 para a purificação de gases de combustão e de gás natural foi orientado pelo professor do Departamento de Engenharia Química da Poli -USP, Cláudio A. Oller do Nascimento, e com a co-orientação de dois pesquisadores do Dempster Mass Lab, da Poli. Também houve participação de Arthur Ayres Neto do Laboratório de Geologia Marítima da Universidade Federal Fluminense (Lagemar/UFF) e do Laboratório de Engenharia de Bioprocesso do Departamento de Engenharia Química da USP. O projeto de mestrado da engenheira química Helena Pletsch teve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Apesar da redução global da emissão de gás carbônico ter sido uma das consequências da pandemia da covid-19, a quantidade emitida ainda foi a maior nos últimos 4 milhões de anos, segundo relatórios da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA). A preocupação com o aumento dessa concentração é devido à capacidade que o CO2 tem de intensificar o efeito estufa e, portanto, aumentar a temperatura do planeta — o que pode levar ao colapso climático se for ultrapassado o limite de 2ºC.
Para alguns cientistas, reduzir a emissão desses gases, além de improvável, pode não ser uma medida suficiente para frear o aquecimento global. Nesse cenário, surge a necessidade da criação de tecnologias sustentáveis para capturar o carbono atmosférico emitido pelos processos industriais, principalmente os gases de combustão (ou exaustão) , que saem das chaminés de indústrias, e de gás natural bruto. Os métodos mais conhecidos para purificar esses gases, com microalgas e cianobactérias, apresentam uma baixa eficiência, alto custo operacional e geram outras formas de poluição.
Buscando outras alternativas e caminhos para esse problema, a engenheira Helena chegou a bactérias quimioautotróficas provenientes de sedimento marinho Antártico. Esses microrganismos são autotróficos, ou seja, assim como as plantas, consomem carbono inorgânico (com o dióxido de carbono; CO2) como sua principal fonte de carbono e, com outros nutrientes, vivem, crescem e, constroem todo o seu material celular; sua biomassa. Entretanto, diferente das plantas e das microalgas, essas bactérias não precisam de energia luminosa para capturar o carbono da atmosfera — e isso chamou atenção dos cientistas, porque fornecer luz para esses microrganismos é um dos fatores que faz o processo ser pouco sustentável.
Os pesquisadores usaram amostras de sedimento marinho antártico coletadas de regiões com uma baixa presença de carbono orgânico e relativa abundância de carbono inorgânico: ambientes ideais para as bactérias do estudo. Todas foram cultivadas em condições encontradas na indústria, e além disso, foram cultivadas e isoladas sob restrição nutricional, com baixo fornecimento de nutrientes, pensando em selecionar as que trariam menores custos operacionais.
Os sedimentos foram postos em frascos contendo água do mar artificial e mantidos sob uma atmosfera que simula o gás expelido nas chaminés das indústrias (cerca de 30% CO2 , em volume). Após 30 dias, restaram apenas as bactérias que sobreviveram a essa condição
Em seguida, os pesquisadores estudaram o crescimento das bactérias isoladas na presença de CO2 como única fonte de carbono. “A bactéria que apresentou o melhor desempenho, ou seja, cresceu ‘mais rapidamente’ e resultou em uma maior quantidade de biomassa, foi selecionada para ser adicionalmente estudada”, explica a pesquisadora.
A bactéria foi cultivada sob diferentes concentrações de CO2 (0, 5, 10 e 20%) e a diferentes temperaturas (30 , 40 e 50°C), todas correspondendo a valores tipicamente encontrados em processos reais de captura de CO2 na indústria. Assim, explica Helena, foi determinada a condição de cultivo
Os cientistas chegaram em condições de cultivo nas quais a bactéria é capaz de capturar a maior quantidade possível de CO2 , tem a maior produtividade em biomassa e a apresenta a maior velocidade de crescimento. A biomassa bacteriana, resultado do sequestro do carbono emitido pela indústria tem potencial econômico; pode ser utilizada para produzir biodiesel e extrair biopolímeros, por exemplo.
A vantagem das bactérias da Antártica é que crescem sob condições de restrição nutricional e na ausência de energia luminosa, o que pode significar uma redução nos custos de operação do processo.
Alcanivorax sp., a campeã
Entre as sete cepas bacterianas identificadas, uma teve a melhor performance, com maior produtividade, rendimento em biomassa, maiores taxas de crescimento e captura de CO2: trata-se da Alcanivorax sp. Ela também foi capaz de reduzir espécies de óxidos de nitrogênio, como nitratos e nitritos — que são poluentes por vezes com potencial de aquecimento superiores ao CO2 — e convertê-las em gás nitrogênio (N2). “Isto significa que esta bactéria tem o potencial de ser utilizada não somente para capturar CO2 de gases de combustão e de gás natural, mas também, para remover o nitratos e nitritos desses gases”, completa.
A cientista explica que as bactérias desse gênero são conhecidas como hidrocarbonoclásticas e “se alimentam” quase que exclusivamente de hidrocarbonetos, tais como os compostos presentes no petróleo. Ainda, a pesquisadora afirma que a descoberta tem impacto na ecologia e microbiologia marinha, expande os conhecimentos sobre a biologia e biodiversidade e, para a autora, serve para comprovar que, de fato, conhecemos pouco sobre o fundo dos oceanos e sobre a natureza em geral.
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