Pesquisa analisa as práticas de proteção coletiva dos dados pessoais no Brasil

Tese de doutorado destrincha as origens dos direitos digitais no Brasil, destacando a influência dos sistemas políticos vigentes no País neste processo

Foto: Lianhao Qu/Unsplash

Na interseção entre o autoritarismo e a democracia, emerge uma temática crucial para a contemporaneidade: a proteção coletiva dos dados pessoais no Brasil. O tema faz parte da tese de doutorado intitulada “A proteção coletiva dos dados pessoais no Brasil: a defesa de direitos entre autoritarismo e democracia”, de Rafael Zanatta, diretor da Data Privacy Brasil. Com a orientação do professor Ricardo Abramovay, a tese foi realizada no Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP e se propôs a revisar o termo ‘meio ambiente’.

O trabalho do pesquisador explora a trajetória das iniciativas de regulação do fluxo de dados pessoais no Brasil, desde os anos de ditadura militar, passando pelas transformações da redemocratização. Elementos marcantes desse percurso incluem a Lei de Ação Civil Pública, a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor que delinearam as bases iniciais para a proteção de dados pessoais dentro de uma perspectiva consumerista, ou seja, em defesa do consumidor.

“É muito comum ver comentários afirmando que a recente Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é nada mais do que uma cópia da regulação europeia”, afirma Zanatta. “Ainda que possa ter influenciado, identifiquei discussões sobre o tema no Brasil desde as décadas de 70 e 80. Mesmo que rudimentar, os princípios básicos da LGPD para a criação de uma regulação adaptada à realidade brasileira já estavam presentes desde a época”, complementa.

Em sua análise, o pesquisador destaca quatro vetores que esclarecem os sentidos do tensionamento. O primeiro refere-se à dualidade constitutiva da disciplina, caracterizado pela complexidade de sua origem e influenciada pelo legado do sistema político vigente no País. “A hipótese era que a visão individualista e liberal americana fosse a única até então e que o princípio coletivo fosse algo recente, o que foi refutado pelas evidências de que a discussão no Brasil já surgiu com sementes para a adoção de princípios de proteção comunitária e direitos coletivos.”

O segundo vetor explora a trajetória institucional de direitos coletivos e difusos, conceito inicialmente desenvolvido no campo ambiental na década de 80. “Não são direitos individuais que estão em jogo quando alguém polui o mar, mas toda uma coletividade, que não tem relação jurídica com quem é o poluente”, explica. “Evidenciando as limitações dos direitos individuais, surgem as categorias dos direitos transindividuais, que influenciaram promotores de justiça e intelectuais do processo civil e afetando diretamente na construção dos direitos digitais.”

O terceiro vetor concentra-se na incidência no processo legislativo, expondo as disputas que marcaram a formulação da LGPD pela sociedade civil. Contraintuitivamente, o pesquisador argumenta que a demora de oito anos deste processo foi uma vantagem, pois diversas entidades civis tiveram tempo de desempenhar papel ativo, acompanhando e contestando as diversas tentativas do setor privado de fragmentar ou limitar a aplicação do projeto de lei. 

Por fim, o quarto vetor destaca a advocacia de interesse público, evidenciando a defesa de direitos por meio de ações civis públicas. “No Brasil, ao contrário dos EUA e da Europa, contestar o uso ilícito de dados com o respaldo de uma ONG, defensoria pública ou Ministério Público é mais facilitado. Essa peculiaridade é atribuída ao período de redemocratização, marcado pela ânsia de democratizar o sistema de justiça, o que resultou na remoção de diversas barreiras de entrada”, explica Zanatta. 

A pesquisa destaca os desafios na compreensão da proteção de dados pessoais em uma perspectiva coletiva. Zanatta propõe abordagens preventivas diante de violações de direitos fundamentais, evidenciadas em casos jurídicos brasileiros, para um mundo cada vez mais interconectado. A tese analisa o passado, mas, também, oferece perspectivas cruciais para enfrentar os desafios contemporâneos da proteção de dados no Brasil, essenciais para o debate acadêmico e formulação de políticas públicas eficazes.

Mais informações em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/106/106132/tde-12062023-153956/en.php

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