Proposta pela ONU, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável compreende os anos entre 2021 e 2030. Com o lema “a ciência que precisamos para o oceano que queremos“, a ideia é que a Década do Oceano promova o conhecimento a respeito dos oceanos e mobilize pessoas em ações que favoreçam a saúde dos mares.
Diversas atividades humanas afetam o oceano tanto quanto dependem dele. A biodiversidade marinha, por exemplo, é fonte de diversas pesquisas científicas. No Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, a professora Letícia Lotufo, do Departamento de Farmacologia, se dedica a estudar as propriedades anticâncer de moléculas naturais, tanto de vegetais quanto marinhas. O estudo das moléculas da biodiversidade marinha é o destaque do Laboratório de Farmacologia de Produtos Naturais Marinhos, onde atua.
O grupo tem projetos apoiados pela Fapesp e CNPq, por meio de edital chamado Proarquipélago. O estudo envolve a coleta não só na costa brasileira como também em ilhas oceânicas do país, sendo feita em pequenas quantidades, tornando possível realizar a análises por meio da fermentação das bactérias.
“Literalmente, a gente coleta um punhado de areia via mergulho ou coleta um pedacinho de uma colônia dos animais que a gente está interessado em estudar, e a partir desse material a gente vai para o laboratório e começa a isolar as bactérias que estão ali associadas”, explica Lotufo.
Das substâncias ativas produzidas pelas bactérias é feito um extrato. Essa mistura de substâncias é então testada em células tumorais. A pesquisadora afirma que, através da colaboração com os laboratórios de química, a substância ativa é purificada. Posteriormente, já com posse dessa substância, a ideia é caracterizar como ela atua nas células tumorais.
O grupo separa, então, as bactérias entre aquelas que são capazes de produzir substâncias que matam as células tumorais e aquelas que não são. Com as capazes, utiliza-se a técnica de espectrometria de massas para fazer um estudo de caracterização química. “É como se a gente fizesse a digital de cada extrato para atividade biológica.”
Estudo da biodiversidade em diferentes áreas
O conhecimento sobre a comunidade de bactérias associadas ao ambiente marinho também pode ser usado em outras áreas. A professora compara os organismos marinhos à microbiota intestinal dos seres humanos, que deve viver em equilíbrio para funcionar adequadamente. Assim, qualquer mudança no equilíbrio do ambiente pode ser usada como um sinalizador de poluição ou de consequências do aquecimento global, por exemplo.
A biodiversidade tem muito a oferecer para as pesquisas na área da saúde. Segundo Lotufo, na área de fármacos, mais de 50% dos medicamentos têm alguma relação com produtos naturais. Para a professora, é como se emprestássemos um conhecimento da natureza.
As moléculas naturais são produzidas por organismos que estão no ambiente há milhões de anos e que foram selecionados por seleção natural dentro dos ambientes biológicos. Por isso, os produtos naturais são bons protótipos de fármacos, pois apresentam uma atividade biológica muito potente.
Importância da conservação
Dentro do projeto, a conservação do ambiente é um aspecto fundamental. “Se formos a vida inteira nas ilhas, a vida inteira vamos ter novas espécies para estudar, novas substâncias que vamos descobrir que podem virar medicamentos, novas bactérias que podem produzir substâncias interessantes. A única forma que temos de garantir que a gente sempre vai ter esse recurso é se os conservarmos.”
A professora explica que na história dos produtos naturais há momentos desastrosos em que coletas já colocaram animais em risco de extinção. Lotufo exemplifica iniciativas que ajudam a manter a pesquisa sem colocar o ambiente em risco, como a realização de aquacultura da alga, atividade que muitas vezes envolve comunidades locais. “Em alguns lugares, os próprios pescadores na época do defeso (quando as atividades de pesca são limitadas) trabalham todos juntos no cultivo de alga para alimentar a indústria de cosméticos e de alimentos.”
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