Exposição Imagem-Testemunho reúne 41 obras de presos políticos no Centro Maria Antônia

Com curadoria de Priscila Arantes, mostra expõe registros concebidos em diversos presídios de São Paulo durante a ditadura civil-militar no Brasil

Exposição Imagem-Testemunho: experiências artísticas de presos políticos na ditadura civil-militar, no Centro Maria Antônia. Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Castro Sousa

“Os grilos se perguntam dos caminhos.

Descaminhos.

 

A lua cheia alerta.

O minguante

A lua nova.

 

Prenúncios.”

Alípio Freire

Em comemoração aos seus 30 anos, o Centro Universitário Maria Antônia da USP inaugurou, no dia 27 de abril, a exposição Imagem-Testemunho, que reúne experiências artísticas de presos políticos na ditadura civil-militar brasileira. A mostra inclui pinturas, desenhos, colagens e gravuras realizadas por 12 presos políticos em diferentes presídios da cidade de São Paulo durante os anos 70. 

A exposição conta com 41 trabalhos reunidos durante anos pelos ex-presos políticos Alípio Freire e Rita Sipahi. As imagens-testemunhos integram, desde 2022, o acervo documental do Memorial da Resistência de São Paulo e contam atualmente com mais de 300 obras.

Grade (1972), Manoel Cyrillo. Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Castro Sousa

O acervo conta com as obras de Aldo Arantes, Alípio Freire,  Ângela Rocha, Artur Scavone, Carlos Takaoka, José Wilson, Manoel Cyrillo, Regis Andrade, Sérgio Ferro, Sérgio Sister, Rita Sipahi e Yoshiya Takaoka. As produções foram concebidas em vários espaços carcerários no estado de São Paulo — Tiradentes, Carandiru, Penitenciária Feminina, Hipódromo, Presídio Militar Romão Gomes (Barro Branco) e do Departamento de Ordem Política e Social (Dops).

Pássaro Amarelo e Pássaro Azul (1969), Carlos Takaoka. Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Castro Sousa

De acordo com Priscila Arantes, professora, crítica de arte e curadora da exposição, a coleção reunida por Alípio Freire é um documento da história do Brasil. “Além da homenagem a Alípio e a todos que foram barbaramente torturados durante a ditadura civil-militar, a exposição é necessária para relembrarmos desse período da história do país e impedirmos que ele se repita. Ela tem uma grande importância em termos da memória como um dispositivo político de resistência”. 

Priscila também foi presa política aos três anos de idade, com sua mãe e seu irmão. Seu pai, Aldo Arantes, foi capturado na estação Paraíso do Metrô, em dezembro de 1976. Por essa relação pessoal com o contexto de violência e repressão da época — e pela amizade de seus pais com Rita Sipahi e Alípio Freire — ela foi escolhida por Rita para organizar a curadoria da exposição. 

Abaixo, saiba mais sobre alguns artistas que compõem a mostra.

Alípio Freire

Alípio Freire foi um jornalista, escritor e artista plástico. Ele fazia parte do Movimento Estudantil e logo após a consolidação do golpe de 1964 aproximou-se dos integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), onde iniciou sua jornada como militante político. Em 1967, o jornalista acompanhou o racha político que formou a Ala Vermelha (ALA) — grupo dissidente do PCdoB o qual decidiu se afiliar. 

Aos 23 anos, Alípio foi preso pela Operação Bandeirantes (Oban). Durante cinco anos (1969-1974), o militante passou pelo Regimento de Cavalaria Mecanizado (RC-Mec), Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP), Presídio Tiradentes e Penitenciária do Estado. O militante produziu e reuniu obras artísticas de presos políticos em sua trajetória de encarceramento, como RPT – P1 – X3, que significa Recolhido no Presídio Tiradentes; Pavilhão 1; Xadrez 3. Para essa obra, ele utilizou telas, tampas de caixas, interruptor de luz, escova de dentes e um espelho. 

RPT – P1 – X3 (1971), Alípio Freire. Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Castro Sousa

Em trecho de depoimento para a revista Teoria e Debate, Alípio afirmou que o espelho tem um significado próprio. “A peça mais interessante para mim é o espelhinho. Porque nas celas, quando não queríamos que os carcereiros ouvissem nossa conversa, ficávamos na grade. Conversávamos utilizando o alfabeto do surdo-mudo, mas, quando a pessoa estava na cela ao lado, usávamos um espelhinho para ver o que ela estava dizendo”. 

Em 2013, o jornalista realizou a exposição Insurreições: expressões plásticas nos presídios políticos de São Paulo, exibida pelo Memorial da Resistência. As obras desta coleção também podem ser encontradas na exposição Imagem-Testemunho, no Centro Maria Antônia. 

Alípio faleceu em 22 de abril de 2021, aos 75 anos, em decorrência de complicações relacionadas ao covid-19.

Rita Sipahi

Rita Sipahi ingressou na militância política em 1962 através da Juventude Universitária Católica (JUC) e da recém-criada Ação Popular (AP). Também integrou o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). Em virtude das perseguições políticas desencadeadas com o início da ditadura civil-militar em 1964, e da prisão de Antonio Othon Pires, seu então marido, decidiu partir de Recife para São Paulo com seu filho. 

Em 1971, quando residia no Rio de Janeiro, foi sequestrada e levada para o Destacamento de Operações Internas/Centro de Operações e Defesa Interna (DOI-CODI) do Estado. Foi transferida para a Operação Bandeirantes (Oban) em São Paulo e passou pelo Departamento de Ordem Pública e Social de São Paulo (Dops-SP) e Presídio Tiradentes — onde permaneceu presa por 11 meses. 

Rita conheceu Alípio no ambiente carcerário e, após sua saída da prisão em 1974, foram viver juntos. Os dois reuniram a coleção de mais de 300 obras produzidas por presos políticos durante o regime militar. Após o falecimento de Alípio, Rita doou o acervo para o Memorial da Resistência. 

Série realizada a partir da fotografia de Rita Sipahi, Alípio Freire. Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Castro Sousa

Segundo Priscila Arantes, essa incorporação garante que as pessoas conheçam a história brasileira: “Essa mostra comemora a própria incorporação desse acervo num equipamento público, o Memorial da Resistência, juntamente ao Maria Antônia, que é historicamente um centro onde as questões de memória e resistência são expostas. Assim podemos publicizar essa história”. 

No ano de 2009, Rita foi convidada a ingressar na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, onde permaneceu até 2018. Ela solicitou seu desligamento devido ao descumprimento constitucional e regimental da Comissão durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Atualmente, é advogada de presos políticos e faz parte da Nova Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos.

Carta a quatro mãos para Camila, filha de Rita (1971-1972), Angela Rocha e Rita Sipahi. Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Castro Sousa

Angela Rocha

Em 1968, Angela Rocha ingressou no curso de arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Com a transferência da unidade para o campus do Butantã, começou a militar no movimento estudantil, o que levou a sua aproximação com o Partido Operário Comunista (POC). 

Após retornar de uma viagem, em 1971, a professora foi presa em Porto Alegre, submetida a interrogatório no Dops-RS e trazida de volta a São Paulo. Angela passou alguns meses entre a Oban e o Dops-SP até ser transferida para o Presídio Tiradentes, quando Rita Sipahi a apresentou ao Ateliê Livre — ambiente no qual os presos políticos produziam manifestações artísticas — e ela retomou seu trabalho artístico. 

Devido aos longos períodos de tortura que foi submetida, a saúde de Angela foi comprometida e a professora foi transferida para a Penitenciária Feminina em Santana, local no qual a “reeducação” das prisioneiras era menos violenta, e permaneceu sob tutela do Estado por cinco anos. 

Com a implementação da Lei de Anistia, Angela conseguiu retornar ao curso de arquitetura da USP e o concluiu em 1980. Ainda recebeu os títulos de mestre, doutora e livre-docente pela mesma instituição. Atualmente está vinculada ao Grupo Museu Patrimônio da FAU-USP e continua desenvolvendo trabalhos em pintura, apresentados em exposições coletivas e individuais.

As obras de sua autoria apresentadas na exposição “Imagem-Testemunho” foram enviadas a Alípio Freire durante sua estada no Presídio Tiradentes, acompanhadas de um bilhete em que anotou: “Ainda sou a mesma pessoa que você conheceu”. Angela havia conhecido o jornalista em um curso pré-vestibular, quando ele ainda pretendia cursar arquitetura.

Sem título, Angela Rocha. Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Castro Sousa

Para acessar os depoimentos na íntegra de todos os artistas que integram a exposição, clique aqui.

O Centro Universitário Maria Antônia está localizado na rua Maria Antônia, 294, Vila Buarque, São Paulo. A entrada é gratuita e a exposição está aberta a visitação de terça a domingo, e feriados, das 10h às 18h.

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