Por Lara Paiva, Laura Guedes e Victória Pacheco
Estudos demonstram que as crianças e os adolescentes foram as faixas etárias mais afetadas pelo confinamento geral imposto pela pandemia. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) ressalta não só o perigo físico que elas passaram devido ao coronavírus, mas os problemas de saúde mental aos quais foram expostas. Um dos impactos mais graves foi o fato de muitas delas deixarem de frequentar a escola. A diretora da Opas afirmou que isso levou à maior crise educacional vista nos últimos tempos na região das Américas.
No Brasil, a educação para as crianças durante a pandemia dependeu de recursos financeiros familiares e do local em que elas se encontravam. Mesmo com certos esforços – os gastos no setor aumentaram 17% em relação ao período anterior, conforme revelou a Rede de Pesquisa Solidária – foram percebidos diversos problemas no ensino à distância. No estado de São Paulo, um considerável investimento foi direcionado às escolas públicas para evitar danos à aprendizagem. O governo estadual prometeu destinar R$ 1,5 bilhão em tecnologia para os colégios estaduais e muitas medidas foram implementadas para garantir que as crianças da rede pública tivessem acesso à educação na época do confinamento social.
Mesmo assim, dois anos de EaD e isolamento social resultaram em prejuízos. Em específico, a faixa etária das crianças (creche, pré-escola e primeiros anos do ensino fundamental) foi significativamente desfavorecida. Um dos maiores problemas foi o da alfabetização. Entretanto, outras capacidades intelectuais também foram afetadas. Questões de socialização e psicológicas levaram muitos professores, pais e profissionais da área a questionarem qual seria a melhor maneira de remediar os atrasos que dois anos de falta de presencial causaram nas crianças, agora que a pandemia do coronavírus desacelera e a rede pública de São Paulo já retornou à modalidade presencial.
Crise generalizada
Quando foi notificado o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, em fevereiro de 2020, pouco se conhecia sobre o vírus que, nos meses e anos seguintes, ceifaria milhões de vidas pelo mundo e impactaria as mais diversas áreas da sociedade. No país, a doença contribuiu para agravar mazelas já existentes, como a crise econômica, o desemprego, a pobreza, a disparidade de renda e a desigualdade educacional.
Mais de dois anos após a chegada do novo coronavírus ao país, os impactos deixados pela crise sanitária (e potencializados pela ineficácia da atuação do governo federal) são evidentes. De acordo com o banco de dados da Agência Reuters, atualizado diariamente, haviam ocorrido, até a escrita desta matéria, mais de 32 milhões de infecções e mais de 670 mil mortes no Brasil desde o começo da pandemia. No mesmo intervalo, foram registradas cerca de 170 mil mortes somente no estado de São Paulo.
Outra consequência da pandemia foi o acirramento de problemática sociais, conforme apontou o Índice de Gini no país, usado para medir a desigualdade, que aumentou de 0,642 no primeiro trimestre de 2020 para 0,674 no mesmo período de 2021.
Pandemia e desigualdade
No campo da educação, a pandemia acentuou uma mazela persistente no Brasil: a desigualdade social, uma vez que as escolas públicas foram as mais afetadas pela falta de infraestrutura, capacitação e recursos financeiros e tecnológicos naquele cenário. Segundo Marcos Neira, professor da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), a migração do modelo de ensino tradicional para o formato online não foi tarefa fácil para esses estabelecimentos.
“Na maioria dos casos, a migração para o ensino remoto emergencial não foi nada tranquila. Durante algum tempo, a sociedade ficou na expectativa de que a pandemia se resolveria rapidamente. Quando percebemos a gravidade da situação e que permaneceríamos nela por muito tempo, as escolas buscaram meios de se articular”.
As instituições encontraram condições distintas para se adequarem ao cenário imposto. É o que aponta a pesquisa TIC Educação 2020, feita com 3,6 mil escolas públicas e particulares de todo o país entre setembro de 2020 e junho de 2021. Segundo o estudo, somente 58% das particulares enfrentaram adversidades em dar prosseguimento às aulas online, enquanto o índice para os colégios municipais e estaduais foi, respectivamente, 93% e 95%.
Marcos afirma que as disparidades observadas revelam falhas no sistema educacional brasileiro: “A pandemia evidenciou que vivemos uma desigualdade de acesso e de permanência na escola, e que existem realidades muito diferentes no país. Por exemplo, nas escolas privadas, não se ouve quase nenhum professor dizer que teve dificuldade de contatar seus alunos durante a pandemia, até porque muitas dessas instituições adquiriram plataformas para isso rapidamente”.
Ele pontua, ainda, que muitas das abordagens adotadas pelas instituições – mesmo aquelas mais preparadas – se mostraram ineficazes, como a tentativa de simplesmente transferir as atividades presenciais para a modalidade virtual. “Disciplinas que têm como objeto principal um tipo de conhecimento que não é puramente cognitivo são mais difíceis de serem ensinadas remotamente”, ressalta. É o caso de atividades que envolvem exercícios físicos, arte, experimentos em laboratório e trabalho em equipe.
Outro empecilho foi a impossibilidade de um contato próximo entre professores e alunos, o que, em muitos casos, dificultou a mensuração do aprendizado destes. Por isso, as famílias, em geral, tiveram que acompanhar de perto a rotina escolar das crianças. No entanto, a capacidade de ajudar os filhos com as atividades foi extremamente distinta entre famílias mais ricas e famílias das classes mais baixas.
Para Claudia Costin, professora e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é fundamental notar as diferenças na forma como cada grupo social lidou com o ensino remoto: “A classe média pôde recorrer a professores particulares, mas essa não é a realidade das crianças em situação de vulnerabilidade. A própria escola pública tem que se organizar para isso”.
A especialista acrescenta que mesmo iniciativas como a distribuição gratuita de materiais didáticos e a criação de programas de televisão educativos não foram suficientes, pois as crianças – principalmente as mais novas – precisavam do auxílio de um adulto para estudar, o que nem sempre era possível. Quando existia essa opção, o adulto geralmente era a mãe do aluno. “Houve uma carga muito importante em cima da mulher. Existe uma questão de gênero específica nesse contexto”, afirma Cláudia.
Essa foi a situação na família de Aline Costa de Lima, que é mãe solo de Gustavo, de 8 anos, e de Isabelly, de 5 anos, ambos alunos em um colégio da rede estadual de São Paulo. Aline conta que, durante a pandemia, buscou estimular os filhos a continuarem se dedicando às tarefas escolares: “Tento me esforçar ao máximo para ajudá-los. Gosto muito de saber que eles estão aprendendo”. Porém, ela reconhece que, embora o filho mais velho tenha lidado relativamente bem com ensino remoto, o retorno às aulas presenciais foi o que alavancou de fato seu aprendizado, sobretudo a capacidade de leitura e escrita.
Diferentemente de Gustavo, outras crianças e adolescentes não puderam dar prosseguimento aos estudos na pandemia: um relatório divulgado em julho de 2021 pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) indicou um crescimento na evasão escolar durante a crise sanitária. Apenas em 2020, mais de 660 mil estudantes ficaram fora das salas de aula no estado de São Paulo. Um dos principais motivos foi a falta de conectividade, pois nem todos os estudantes tinham acesso à internet ou a dispositivos eletrônicos para acompanhar as aulas online e se comunicar com os professores. Além disso, muitos deles deixaram a escola porque precisavam trabalhar para complementar o orçamento de suas famílias, diante da crise econômica, acirrada pela pandemia.
“Houve uma forte retomada do trabalho infantil no Brasil. Isso vai demandar e já está demandando dos governos uma busca ativa por essas crianças e adolescentes que deixaram a escola, e uma mobilização da sociedade civil para que o trabalho infantil não seja tolerado no Brasil”, observa a especialista da FGV.
Prejuízos à alfabetização
Da noite para o dia, ambientes de trabalho, escolas, grupos e reuniões foram movidos para formas remotas devido ao risco de contágio por Covid-19. A educação passou a ser à distância, primariamente por meio de atividades feitas em casa após as aulas, ou feitas em vídeo ou por chamadas ao vivo. O setor público, por ter financiamento limitado, teve dificuldades para se adequar. Mas, em São Paulo, especificamente, esforços foram feitos para apoiar as famílias com filhos em ensino à distância (EAD); dentre eles, apostilas para que os alunos levassem para casa, pen drives com conteúdos, chips de internet para que pudessem acessar as aulas e conteúdos educacionais, entre outros.
Com a contenção do vírus, escolas por todo o Brasil passaram a reabrir, tentando implementar protocolos de segurança à contaminação. Foi autorizada a retomada das atividades educacionais em forma presencial a partir de abril de 2021, tanto na rede pública quanto privada. A maior parte das escolas públicas para a faixa etária infantil reabriu com 100% de capacidade em setembro de 2021.
Com a volta às salas de aula, professores, pais e profissionais da área da educação buscam formas de recuperar prejuízos causados pela aprendizagem à distância. Vale ressaltar que as crianças (faixa etária de 4 a 10 anos) foram um dos grupos mais afetados, devido a dificuldades de concentração e exposição prolongada às telas de computadores e tablets, que podem inclusive ter efeitos danosos à saúde física e mental.
Foram detectados inúmeros danos na maior parte das matérias e em várias idades nesse grupo. Cláudia Costin afirma que os atrasos mais significativos foram na fala e na escrita. Malefícios na escrita são previstos, mas atrasos na fala – habilidade inerente do ser humano – causaram preocupação. O ambiente isolado de outras crianças e com pais ou responsáveis no teletrabalho ou trabalho presencial deixou-as com poucas possibilidades de interação. “Ela não entende que a fala é um mecanismo de comunicação”, a especialista nota, “porque muitas vezes o adulto até antecipa os desejos da criança, e ela acaba perdendo a possibilidade de aprender a falar”.
A alfabetização infantil – período de familiarização ao ambiente letrado – é muito debatida por profissionais da educação, visto que cada criança tem um ritmo de aprendizagem diferente. Mas no caso do EAD, é evidente que algumas crianças foram muito mais prejudicadas do que outras. Questões da Base Nacional Comum Curricular não puderam ser abordadas, como o entendimento do papel social da leitura ou mesmo do coletivo. As aquelas com ambientes familiares mais propícios à valorização destas questões tiveram uma grande vantagem quando comparadas às que vivem em contextos mais vulneráveis.
Sobre esse ponto, Cláudia afirma que as crianças que não tiveram estímulos para a leitura e a aquisição de consciência fonológica (capacidade de perceber e manipular os sons da fala) acabaram estagnadas. Marcos Neira, por sua vez, enfatiza a importância da interação da criança com o professor e com os colegas para aprendizagem e desenvolvimento de habilidades: “A alfabetização sem atividades sistemáticas e organizadas com esse fim fica muito complicada e há limites para a criatividade quando se está numa sala virtual”.
Muitas das operações em sala de aula não ocorreram devido à junção do ensino à distância, dificuldades de concentração, falta de interação no ambiente escolar e, em alguns casos, descaso parental. “No primeiro ano, as crianças vão começar, gradativamente, a usar a letra cursiva, começar a identificar os números, entre outros elementos. Pouquíssimas conseguem mais do que isso. No terceiro ano é que eles vão ser alfabetizados totalmente”, explica Simone Baracat, orientadora da Unidade Municipal de Ensino (UME) Prefeito Paulo Gomes Barbosa, em Santos, litoral de São Paulo.
“Quando os pais levam o filho para escola para ser alfabetizado, eles não têm noção de quanto essa professora estudou, quais são as estratégias que ela usa”, lembra Simone. “Muitas vezes uma criança é diferente da outra, tem criança que consegue ser alfabetizada na lousa, tem criança que consegue ser alfabetizada com desenho. A professora usa essas estratégias. Ela estuda muito para devolver a alfabetização com a criança. O EAD dentro de casa com os pais auxiliando não é a mesma coisa”.
As crianças pequenas frequentemente precisam de uma pessoa para mediar seu aprendizado – por exemplo, para ligar o computador, tablet ou smartphone na hora certa da aula, com o link certo ou no vídeo correto. Embora tenham crescido em um mundo com cada vez mais integração digital, ainda existem dificuldades. “Elas não possuem tanta autonomia para realizar tudo conforme acontece em sala de aula, porque na sala de aula existem mais condições, por exemplo, de organizar grupos”, explica Marcos.
A situação também dificultou que os professores avaliassem quem estava para trás e quem estava acompanhando o conteúdo. “A melhor maneira de perceber se a criança está aprendendo é olhando como ela responde às atividades diversificadas que são propostas. E isso, no ambiente virtual, sobretudo para quem não estava acessando a internet e trabalhava semanalmente só com materiais impressos, foi muito difícil de apurar, porque na sala de aula há aquele retorno imediato”, acrescenta o especialista.
Ana Rita Gomes, professora polivalente da rede pública de São Paulo, destaca as dificuldades da própria conexão da criança com o ensino à distância. “Convencer os pais a acessarem era o maior desafio”, diz. “Eles não se convenciam de que o online era uma aula a ser seguida. Tem uma cultura que a informática é só para a diversão, para o lazer ou para a piada“. As crianças tiveram dificuldade em se adequar à ideia de estudar em casa. “O prejuízo pedagógico se deu pelo fato delas não acessarem as plataformas, não irem buscar as atividades. Para elas, era como se fossem eternas férias. Claro, não eram todos, mas muitos viram dessa forma”.
Do lado de dentro
É impossível falar dos desafios do retorno dessa faixa etária às escolas sem mencionar o fator psicológico pós-pandemia. Isolados e apenas com as aulas virtuais, os alunos enfrentam, nesta volta, dificuldades de socialização e de desenvolvimento das competências socioemocionais. “O principal impacto que o ensino remoto trouxe para as crianças foi ficar tanto tempo sem o espaço escolar”, afirma Luciana Maria Caetano, professora associada do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade (PSA) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) e especialista em Psicopedagogia e Educação Infantil.
“Por melhor que seja a intervenção dentro de casa, ela não substitui o que a criança viveria no ambiente físico escolar, não há nada que supere essa experiência, ela é necessária, única e imprescindível”. A docente destaca que EAD teve suas vantagens, foi necessário para que os estudantes não ficassem todo o período sem aprendizagem, mas que não se compara ao presencial: “O brincar, o viver conflitos a serem solucionados, o convívio com crianças dos mais diversos contextos e a organização da rotina fizeram muita falta.”
Uma das maiores importâncias das relações estabelecidas na esfera pedagógica é o encontro dos pequenos com seus pares. “É imprescindível a criança encontrar-se com outras e não somente com um amiguinho em uma festinha. É, de fato, poder conviver diariamente com uma quantidade significativa de outros menores que pensam diferentemente dela”.
“Essa diversidade promoverá o desenvolvimento de sua cognição social. Ela vai perceber que existem pessoas diferentes dela. Nesse encontro com o outro ela constrói a ideia que tem de si mesma”, elucida a professora. A convivência com adultos também é relevante, contudo, não é suficiente. Por mais que pais e outros parentes sejam capazes de brincar, eles nunca conseguirão agir como uma criança. Além disso, é no colégio que os pequenos se deparam com os professores, profissionais que dedicaram toda sua formação aos processos de aprendizagem.
Outro ponto é que as crianças refletem o meio no qual estão inseridas. “Os adultos mostraram ampliação do adoecimento mental, um dos dados mais observados como resultados da pandemia”, conta a docente. “Foram com esses adultos adoecidos mentalmente pelo medo, pela insegurança que a pandemia nos trouxe, pelo luto que estavam com os menores”. Assim, essa faixa etária mais jovem esteve envolvida em todo o processo de estresse pós-traumático coletivo gerado pela Covid-19, incluindo todas as perdas e problemas financeiros. “Crianças que já viviam em lares desestruturados ou sem família e que enfrentavam privações econômicas tiveram essas dificuldades ampliadas.”
“A gente via que eles estavam perdidos assim em relação ao que significa o ambiente escolar, com muita falta de respeito”, compartilha Simone. A especialista em psicologia avalia: “Temos pesquisas relatando o aumento da violência física e psicológica dentro do espaço familiar: de gênero, sexual, física e psicológica. E as crianças estavam nesses locais.” Os estresses causados nesses mais de dois anos ajudam a explicar o maior custo em lidar com os conflitos. “Na escola, elas vão ter a oportunidade de descobrir e aprender que existem outras formas de resolver os conflitos intrapessoais que não seja usando a violência”, recomenda Luciana.
Lia da Silva Granado, pedagoga e professora de alunos do terceiro ano do ensino fundamental da rede pública de São Paulo, revela que se surpreendeu: “Pensamos que nossa maior preocupação seria a defasagem pedagógica. Voltamos todos para a escola e descobrimos que uma das maiores dificuldades que a gente tinha era, na realidade, uma questão social”. Ela enfatiza, ainda, que esse aspecto só pode ser propriamente desenvolvido por meio da vivência escolar, que foi impossibilitada durante os dois anos de pandemia.
Em casa, a diferença no tempo oferecido pelos responsáveis aos pequenos está ligada, na maioria das vezes, às classes sociais. Adultos que não puderam adotar o home office e precisaram sair para trabalhar durante a pandemia tiveram menos horários disponíveis para ajudar os filhos na aprendizagem online. Porém, esse não foi o único empecilho. Na tentativa de auxiliar nesse acompanhamento muitos pecaram pela falta de didática, de autocontrole, de conhecimento específico e pelas exigências.
“Poucos pais sabem sobre as características do desenvolvimento das crianças, então, isso trouxe intervenções muitas vezes com boas intenções, mas inadequadas”, enfatiza a docente. Ela ainda relembra que as diversas relações parentais saíram desse contexto estremecidas e mal resolvidas pela sensação de insuficiência de ambos os lados.
Vacinação
Atualmente, 63,68% das crianças entre 5 e 11 anos estão com o esquema vacinal completo no estado de São Paulo. Com a primeira dose, a taxa é de 85,59%. O Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) foi palco da primeira vacinação desta faixa etária, de 5 a 11 anos, contra a Covid-19 no Brasil.
Apesar dos paulistas terem saído na frente e apresentarem mais da metade do público infantil apto imunizado, os índices ainda não são suficientes e o impacto com o retorno presencial das aulas é preocupante. Estatísticas da semana do dia 14 de junho mostram que o grupo de 0 a 5 anos, ainda não contemplado pelos imunizantes, tornou-se o de maior risco de hospitalização pela doença, excetuando a população acima de 60 anos, segundo análise do Infogripe-Fiocruz.
Grande parte da resistência em vacinar os pequenos incluídos no calendário vacinal está no negacionismo. “Quando começou a vacinação das crianças, o presidente da República foi na televisão para falar para não vaciná-las”, relembra Claudia. “Isso semeou um medo enorme em alguns pais menos informados e até em alguns informados, de que essa vacina seria experimental, o que, ao meu ver, foi catastrófico”.
“Os professores de educação básica foram uns dos primeiros grupos a se vacinar. Então porque não se vacinaram as crianças, se já sabíamos, pois as pesquisas mostravam, que a contaminação entre elas era possível?”, aponta Marcos. “A gente falhou muito, falhou em disseminar informação. Eu não me conformava que os governos federal, estadual e municipal não investiram na propaganda informativa”.
Simone conta que a escola onde trabalha, em Santos, registrou nove casos em maio e, em junho, mesmo apenas na metade do mês, já são quase 20. “Tem muitos alunos pequenos, de meses, que a mãe nem sabe ou nem avisa a gente”, comenta. Ela relata que as aulas já precisaram ser suspendidas em algumas classes e que isso acontece quando há três casos registrados em uma turma. Além disso, reforça que a vacinação é obrigatória para os estudantes: “Agora falam mal da vacina, mas a vida inteira para fazer matrícula teve que ter todas elas, a criança tem que ter todas as vacinas”.
O estado de São Paulo havia revogado a obrigação do uso de máscara em locais fechados em março, mas cidades passaram a recomendar a utilização em maio, depois de um aumento significativo no número de casos. O próprio Comitê Científico de São Paulo, que assessora o governo estadual nas ações contra a Covid-19, voltou a recomendar, no dia 31 de maio, o uso da proteção nesses ambientes.
Recuperar o tempo perdido
Considerando que a pandemia ainda não é um assunto superado e, mesmo que menos letal, segue fazendo vítimas, pensar em caminhos para solucionar a curto e longo prazo os entraves no retorno das crianças ao ambiente escolar é urgente. Não há apenas uma resposta para essa questão, mas possibilidades diversas.
Para Luciana, é hora de intervir: “Nunca foi tão necessário que a escola invista na aprendizagem emocional, no acolhimento dessa dimensão emocional da criança, legitimando seus sentimentos, proporcionando que elas sejam ouvidas dentro da escola”.
Claudia, por sua vez, cita que uma alternativa seria proporcionar atividades extracurriculares, em turnos fora do horário normal de aulas (o contraturno). Porém, isso pode ser desafiador: “As crianças que mais precisam disso não vêm, porque seus pais não estão disponíveis para transportá-las para o contraturno. Precisa ser montada uma logística para tal”. Além disso, ela menciona uma metodologia usada na Europa e nos Estados Unidos, chamada teaching to the level, ou ensinar para o nível em que a criança está. “Duas ou três vezes por semana, organizá-las por grupos de dificuldade para que a gente possa, com auxílio dos demais educadores, ter um trabalho mais focado”.
Escolas como aquela em que Ana Rita trabalha passaram a promover reforço e atividades extras na tentativa de ajudar as crianças com atrasos. Para ela, todas as matérias tiveram suas dificuldades, mas a forma mais lúdica de abordagem melhorou a absorção. “Percebia que nas videoaulas de educação física e nas aulas que eram mais voltadas para o lúdico, havia uma aceitação maior. Eles se sentiam pequenos youtubers. Agora, quando era uma atividade convencional, as tarefas tradicionais, aí era mais difícil”, diz. As habilidades mais afetadas foram as de concentração, pesquisa, além da perda do hábito de leitura e escrita, segundo a professora.
Mesmo assim, Ana Rita e Cláudia defendem a transição ao ensino integral como solução de longo prazo. Além de ajudar a evitar o trabalho infantil, é mais fácil implementar o estudo direcionado para cada aluno em sete ou oito horas em vez de de só pela manhã ou pela tarde. Mas há dificuldades em introduzir essa pauta, devido aos recursos financeiros necessários. Ana Rita ainda ressalta que, uma vez que o salário do professor da rede pública é baixo, ele às vezes precisa trabalhar em mais de uma escola. Por isso, o modelo prejudicaria essa fonte de renda e muitos dos próprios professores se opõem a essa proposta, pois isso iria requerer abrir mão de trabalhar em duas escolas em prol de uma só.
A tecnologia pode ser outra aliada no processo de superação de defasagens pedagógicas. Por exemplo, os professores podem recorrer a jogos online para ensinar, de forma lúdica, determinados conteúdos em que os alunos demonstrem menos conhecimento. “A tecnologia pode ter um papel importante nesse processo e acelerar um pouco mais a inclusão digital das crianças nas escolas”, comenta Cláudia.
Na visão da professora Lia, é preciso que o Estado, com a ajuda das instituições de ensino, elabore políticas públicas a fim de amparar os estudantes que tiveram a aprendizagem prejudicada durante a pandemia. “Precisamos pensar, principalmente, na alfabetização e na pós-alfabetização dessas crianças.”
A orientadora Simone conta que um dos principais instrumentos utilizados na rede pública de Santos é a sondagem da hipótese de escrita, uma das práticas para diagnosticar como o estudante escreve e o que ele pensa sobre essa atividade. Nesse sentido, a inclusão dos resultados em um sistema digital demonstra a situação atual, auxiliando na construção de soluções assertivas.
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