Jogo de origem africana pode ser aliado do ensino de matemática

Estudo faz parte de projeto da USP que pesquisa a aplicação de tradições de comunidade quilombola na educação

Apenas milhos e canetinhas são usados no jogo que, como destaca a professora Viviana Giampaoli, não gera resíduos / Foto: Diogo Leite/AUN.

Um jogo de búzios de origem africana, tradicional em comunidades quilombolas de Barra do Turvo, no interior de São Paulo, pode ser um aliado do ensino de probabilidade e estatística nas escolas. É o que constatou uma pesquisa feita no ano passado pela professora Viviana Giampaoli e pela pesquisadora Regina Nakano, ambas do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME), apresentada durante a Semana da Licenciatura da unidade, em outubro deste ano. O estudo é fruto do projeto Saberes em Diálogo, organizado pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade (FFLCH), em parceria com diversas unidades da USP. A ideia é integrar os conhecimentos dos quilombolas, da academia e dos professores da rede pública de Barra do Turvo.

O jogo consiste no lançamento, em uma peneira, de grãos de milho com uma das faces pintada. Ao jogar, avaliando as posições em que os grãos caíram, as crianças podem aprender na prática noções que vão desde as ideias básicas de acaso e aleatoriedade até habilidades mais complexas, como o cálculo matemático das probabilidades de o grão cair em cada posição.

Representação de possíveis cenários resultantes do lançamento dos grãos de milho / Imagem: Viviana Giampaoli e Regina Nakano/Reprodução.

Viviana explica que essa pesquisa é uma entre as várias produzidas pelo projeto Saberes em Diálogo, que se baseia na interdisciplinaridade. “Trabalho especificamente com probabilidade e estatística, mas há, por exemplo, o professor Júlio [César Augusto do Valle, também do IME], que trabalha com etnomatemática, estudando esses conhecimentos que vêm da África. Outras professoras abordam no projeto outras áreas da ciência, como física, química, história, geografia e letras, trabalhando todos juntos, de maneira interdisciplinar.”

Para a estudante Paula Tersariolli, aluna da licenciatura em matemática e membro do projeto, aplicar essas práticas tradicionais das comunidades no ensino é uma forma de melhorar a educação. “Isso traz significado ao que as crianças estão aprendendo. Ao invés de levar um jogo de baralho ou de dados, que talvez aquelas crianças nem conheçam, você permite que elas aprendam por meio de um jogo que é parte da cultura das próprias comunidades e que tem significado para elas”, explica. “Mais do que algo bonito, você está garantindo um direito, porque isso é previsto em lei.”

Em 2012, um parecer do Conselho Nacional de Educação, vinculado ao governo federal, estabeleceu diretrizes curriculares para a Educação Quilombola, determinando, para escolas que atendem essa população, a contratação de professores com conhecimento da cultura desses povos e um ensino que incorpore as suas tradições. Antes disso, a Lei 9.394, de 1996, já estabelecia um sistema de educação especial semelhante para os povos indígenas, enquanto a Lei 11.645, de 2008, instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena em todas as escolas do país.

O projeto Saberes em Diálogo ajuda na implementação desses jogos como parte do ensino nas escolas das comunidades de Barra do Turvo. Agora, a professora Viviana conta que o próximo passo é alimentar as redes sociais do grupo (@saberes.em.dialogo, no Instagram), para fazer com que essas soluções de ensino cheguem a todo o Brasil. Para ela, incorporar essas tradições à educação é também uma forma de combater o racismo. “É valorizar esse aspecto cultural que permeia toda a nossa sociedade, não apenas um grupo.”

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