Diferenças sexuais podem influenciar decisões políticas no combate à pandemia?

Pesquisa analisa distinções psicológicas entre homens e mulheres e como estas poderiam afetar a conduta de chefes de Estado

Fotomontagem com imagens de Fotos Públicas e reprodução de redes sociais - Crédito: Lívia Magalhães

Com a pandemia de COVID-19, países ao redor do globo se viram diante do desafio de conter a doença altamente infecciosa ocasionada pelo novo coronavírus. Enquanto alguns líderes optaram pelo distanciamento social e investimento maciço na saúde, outros privilegiaram deixar o comércio aberto e buscaram a “imunidade de rebanho”, que consiste em infectar uma grande parcela da população para que ela supostamente fique imune ao vírus, apesar de muitas mortes evitáveis que esta medida comprovadamente acarreta.

Essas diferenças de posicionamento na forma de combater a doença motivaram vários estudos, incluindo o artigo “Pandemic Leadership: Sex Differences and Their Evolutionary–Developmental Origins”, que foca nas diferenças sexuais entre os chefes de Estado durante a pandemia, em diversos campos do conhecimento.

A revisão reuniu todas as pesquisas publicadas até então que investigavam se o sexo do líder político estava relacionado às diferentes formas de lidar com a pandemia, incluindo estatísticas como número de mortes por milhão. Os poucos estudos sobre o tema indicam que as líderes mulheres foram melhores na condução da pandemia, concluem os pesquisadores.

O estudo teórico foi conduzido por Severi Luoto, da University of Auckland, na Nova Zelândia, e por Marco Antonio Correa Varella, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, e foi publicado no jornal acadêmico internacional com revisão por pares Frontiers in Psychology, no dia 15 de março de 2021.

Especialista explica estudo psicológico e abordagens entre os sexos

Em entrevista à Agência Universitária de Notícias, Varella explica que, “partindo do princípio de que uma boa liderança na pandemia foca em conter o vírus e salvar o máximo de vidas possível, podemos especular quais inclinações psicológicas seriam mais alinhadas a este fim”. De acordo com o estudo, as características psicológicas femininas revisadas estariam mais alinhadas a esse propósito.

Marco Antonio Correa Varella – Foto: Reprodução/CNPq

Alguns aspectos predominantes em mulheres que auxiliam no combate à pandemia são empatia, sensibilidade e  maior cuidado com a saúde própria e de outras pessoas. “Essas diferenças psicológicas podem tanto ajudar a explicar o sucesso feminino na liderança pandêmica, quanto explicar porque as mulheres em geral usam mais máscara, ficam mais em casa e respeitam mais as restrições e recomendações epidemiológicas para diminuir a transmissão viral do que os homens”, comenta o pesquisador.

Em contrapartida, os homens são, em média, mais competitivos, menos cuidadosos com a saúde e se expõem mais aos riscos.

“A mente feminina e masculina tem muitas similaridades e ainda se complementam nas diferenças”, explica Varella. Essa distinção é positiva, e reforça a necessidade de uma maior representatividade feminina na política. “É possível que no futuro veremos um fazer da política mais balanceado entre os interesses das corporações e o interesse das pessoas, se caminharmos em direção ao aumento da proporção de mulheres na política”, prevê.

Gráfico do estudo mostra quantidade de vítimas fatais de Covid-19 por milhão de habitantes em cada país, além de indicar se o chefe do país é homem ou mulher – Crédito: Reprodução/Frontiers in Psychology

Brasil e Nova Zelândia 

A liderança do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arndern, foram os casos ilustrados pelos pesquisadores. Desde o início da pandemia, Bolsonaro teceu várias críticas à medidas de isolamento social e defendeu tratamentos precoces cuja ineficácia já foi comprovada de forma extensiva. Atualmente, o país possui a marca de 490 mil mortos pelo coronavírus. Já Arndern, que adotou rapidamente medidas de isolamento rigorosas e rastreou casos de coronavírus, conseguiu controlar a pandemia em tempo recorde.

Contudo, Varella ressalta que o estudo lida com médias, e existem variações individuais e pontos fora da curva. Exemplo disso é o caso da Bélgica, país que era liderado por uma mulher e que apresentava uma alta taxa de mortalidade por milhão de habitantes no momento da pesquisa.

Existem outras limitações no estudo, como a falta de representatividade feminina no âmbito político. Isso faz com que a diferença da média de casos fatais de Covid-19 entre países liderados por homens e países liderados por mulheres não atinja um nível estatisticamente significativo em alguns estudos, apesar da tendência estar na mesma direção. Além disso, existem poucos estudos psicológicos sobre mulheres líderes.

O pesquisador também ressalta que nada garante que a resposta dos países até então vai necessariamente se manter igual até o final da epidemia.

“No geral, concluímos que é provável que exista a diferença sexual na liderança pandêmica dado o alinhamento nos resultados da maioria dos estudos empíricos. E como todo cientista, esperamos que os futuros estudos mais completos e abrangentes confirmem ou rejeitem nossa conclusão”, diz o pesquisador.

Varella acrescenta que os aspectos hormonais, evolutivos e psicológicos das diferenças sexuais não são os únicos fatores que influenciam na liderança pandêmica. Fatores biológicos e culturais se integram e se complementam em relação ao comportamento humano. O pesquisador enfatiza que reconhecer e ressaltar diferenças psicológicas evoluídas da nossa espécie não implica em julgamento de valor moral, não justificam desigualdade, nem opressão e preconceito, “da mesma forma, o sexo do presidente não serve de desculpa para que ele possa ter uma péssima condução da pandemia e sair impune”, conclui.

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