Práticas corporais de origem africana possuem potencial para trazer liberdade e transgressão no meio estudantil

Pesquisadora da USP analisa como disciplina de Educação Física pode ser um espaço de formação decolonizador

Futbol_de_salon
Jogo de futebol de salão infantil [Imagem: Wikimedia Commons]

Em dezembro de 2016, foi aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados a emenda à Medida Provisória 746/16, que exige a inclusão de Educação Física como disciplina obrigatória na Base Nacional Comum Curricular, assim como Artes, Filosofia e Sociologia. Em menos de sete anos da emenda, a discussão de retirar essas matérias em benefício do novo Ensino Médio, que prioriza a formação para o mercado, vem à tona e mostra que a perspectiva dos responsáveis pela educação nacional não mudou.

Vista como uma matéria de “lazer”, a Educação Física cumpre um papel importante para a formação de estudantes, os quais estão construindo suas identidades. Em vista disso, a pesquisadora Valéria Couto da Silva, da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP aborda, em seu mestrado, as relações étnico-raciais nas aulas de práticas corporais, observando o impacto da perspectiva estudantil em relação ao modo como a grade curricular da disciplina é apresentada aos alunos.

Durante sua pesquisa, a mestranda analisa como há a preponderância de esportes originados da Europa em detrimento de práticas corporais de origem africana. Isso, segundo Couto,  reforça a ideia de que a produção de conhecimento em todas as áreas só acontecem nos países colonizadores. “Acredito que devemos desenvolver aulas com esse conteúdo também, mas sempre fazendo recorte de raça, gênero e refletindo sobre as discussões sobre sexualidade e identidade de gênero que envolvem cada um”, reforça a pesquisadora.

Para a pesquisadora, a introdução de esportes não cabe apenas às práticas corporais, mas à exposição das diversas manifestações culturais relacionadas à comunidade africana como capoeira, funk, hip hop e outras danças. “Acredito que a dança preta tem um grande poder de resistência e a partir do momento em que as crianças sentem esses movimentos, elas têm a possibilidade de resgatar suas histórias de maneira positiva. Afinal, a dança também é produção de conhecimento.”

Entre os obstáculos físicos nas escolas, como equipamentos e espaços adequados para práticas corporais, a falta de elementos da cultura africana também é apontada pela pesquisadora, o que enfatiza o caráter colonizador nos ambientes de estudo. “Nas escolas por onde passei, todas tinham muitas bolas e materiais para práticas de origem europeia, porém nenhuma tinha berimbau, atabaque, pandeiro, agogô, caxixi, entre outros elementos da cultura africana ou afro-brasileira. Esses materiais ainda não são naturalizados como possíveis de serem utilizados nas aulas de Educação Física.”

Diante deste contexto, Valéria considera que sua pesquisa pode visibilizar a Educação Física como um momento essencial na construção pessoal dos estudantes, evitando a divisão entre corpo e mente, o que permanece enraizado no contexto atual. “ Ao contrário do que dizia Descartes ‘penso, logo existo’, eu prefiro a frase do senegales Leopold Senghor ‘Eu jogo, eu brinco, eu danço, eu sinto o outro, então eu sou’, reforçando a cultura africana que entende que tudo o que fazemos o tempo inteiro é corpo e mente, é prática e teoria, é experiência”, afirma.

“Essas mudanças estão ligadas a uma desvalorização das escolas públicas, ligadas a uma necessidade de ver a juventude pobre e preta cada vez mais longe de espaços de poder. E uma mensagem muito nítida do quanto querem nos limitar e nos dizer onde devemos ficar. Não podemos naturalizar o discurso que as escolas públicas não tem estrutura para o esporte. Precisamos apontar que os responsáveis por pensar na educação não entendem que todas as possibilidades de cultura corporal, seja esporte, dança, lutas, ginásticas, jogos e brincadeiras, são fundamentais para o desenvolvimento de todas as pessoas.”

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*