Pesquisa da USP analisa o trabalho de Candeia de recuperar as raízes antirracistas do samba

Tese mostra como ações de Candeia no campo artístico foram uma forma de se rebelar contra apagamento da negritude no samba

O grande sambista carioca Candeia - Foto: Arquivo O Globo - 1977

Em sua tese de doutorado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Igor de Bruyn Ferraz analisou três projetos empreendidos pelo sambista e militante antirracista Antonio Candeia Filho: o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba (Granes) Quilombo; Escola de Samba: a árvore que perdeu a raiz (1978), livro escrito em parceria com Isnard Araújo,  além do lançamento de dois discos intitulados Partido em 5, Volumes 1 e 2.

A ideia para o tema surgiu quando Igor, que também é músico, estava fazendo a passagem de som com outros artistas e eles comentaram sobre os dois volumes do Partido em 5, lançados em 1975 e 1976. “Comecei a notar e mostrei para outros colegas que era um som muito peculiar e que com pouquíssimos instrumentos você chegava num balanço de samba assim que você fala: ‘meu Deus do céu, quem são esses caras? O que é isso?’”, explica.

Os discos são tratados na tese como uma forma sonora de protesto, compostos a partir de um “samba sem poluição”. À época, Candeia intentou, segundo o pesquisador, recuperar as origens do samba, que se popularizava cada vez mais com o enriquecimento das escolas de samba. E daí também surgiu o Granes Quilombo, que fazia desfiles de acordo com a realidade dos membros, sem seguir as restrições impostas pela municipalização dos desfiles carnavalescos.

Em confronto ao projeto nacional da década de 30 de tornar o samba parte da identidade brasileira, Candeia foi importante para relembrar o que é o samba e de onde ele vem. Segundo Ferraz, a tentativa de tornar o samba parte de uma brasilidade, fruto de três raças, agiu como um rolo compressor que chegou até a silenciar o samba como objeto de protesto. “Por esse emblema de brasilidade perde-se, por exemplo, a dimensão de que esse disco [Partido em 5] soa como uma forma de protesto. Não só de retomada do samba ao sambista, dentro dos valores que corroboram a prática e vivência do sambista, como também como um mote de protesto contra o racismo”, acrescenta.

Segundo o pesquisador, o samba ainda é um objeto pouco estudado pelos acadêmicos, principalmente na musicologia. Por fim, ele explica que a importância do trabalho de Candeia é inapagável do samba e da música brasileira, seja por ser compositor de sambas enredos icônicos, e de grandes músicas gravadas por nomes como Clara Nunes, Paulinho da Viola, além de outros nomes célebres, ou seja pelo trabalho de defender um “samba sem poluição” que enaltece as populações — muitas vezes marginalizadas — que vivem do samba.

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