Pesquisa sobre doenças autoinflamatórias ressalta a importância de um diagnóstico acessível

CAPS são raras e ainda têm uma identificação cara e pouco acessível, diz pesquisadora

Descobrir a doença traz alívio e esperança de haver, ao menos, um tratamento. [Imagem: Reprodução/Moondance, Pixabay]

Glóbulos brancos, inflamação, febre. Provavelmente, esses nomes fizeram parte do estudo da disciplina de Biologia de várias pessoas, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio.

Entretanto, existem muitos outros componentes da resposta imune, e um deles é o inflamassoma. Esse é um complexo proteico que se forma no citoplasma das células de defesa em resposta a infecções ou estresse celular.  Em resumo, são importantes moduladores de inflamações crônicas.

Estrutura de um inflamassoma. [Imagem: Reprodução/ ZANA, Nathalia Caroline Teixeira. Ativação do inflamassoma por venenos em macrófagos de camundongos geneticamente selecionados para diferenças na inflamação. 2023. 53 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biomedicina) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2023]

A inflamação e a febre são respostas fisiológicas do organismo mediadas pela ativação de alguns tipos de glóbulos brancos, tais como os neutrófilos, monocitos e macrófagos, que produzem mediadores inflamatórios como a citocina interleucina (IL) 1ß. Em condições normais, a IL-1ß é produzida a partir da ativação do inflamassoma.

Mas, nem tudo funciona como deveria. Quando há uma resposta inflamatória exacerbada e cíclica, sem causa aparente, o indivíduo experimenta sintomas inflamatórios sistêmicos como febre, elevação dos marcadores sanguíneos de inflamação, artrite, eritema cutâneo, que podem indicar uma doença autoinflamatória. 

“Existem síndromes autoinflamatórias causadas por mutações genéticas que aumentam a capacidade do indivíduo  de produzir a citocina IL-1ß e, consequentemente, ativar de modo desregulado a inflamação”, diz Alessandra Pontillo, professora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) e responsável pelo Laboratório de Imunogenética do mesmo Instituto.

Alessandra é a responsável pela pesquisa — realizada pelo Laboratório de Imunogenética do ICB em parceria com o médico Leonardo Oliveira Mendonça do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e publicada na revista científica Clinical Immunology — sobre um teste alternativo para o diagnóstico dessas doenças.

A pesquisa

“A gente estuda, dentro desse panorama de doenças autoinflamatórias, as que têm relação com a desregulação do inflamassoma, em que os receptores dele podem estar mutados. O NLRP3 (ou criopirina) é um desses receptores e, quando é mutado, causa as CAPS — Síndromes Periódicas Associadas à Criopirina”, explica a professora.

Porém, nos pacientes com síndromes autoinflamatórias raras  como as CAPS, os níveis elevados da citocina geram os sintomas e as complicações articulares, neurológicas, renais, que podem ser fatais. Por isso, a professora comenta que “a maior preocupação é diagnosticar precocemente essas doenças para iniciar, quanto antes, o tratamento e para melhorar a qualidade de vida do paciente e limitar o surgimento de complicações graves”.

Um dos maiores problemas para o diagnóstico clínico está na presença de diversos sintomas inflamatórios comuns, principalmente nas crianças, como febre e mal estar. Para a professora, alguns dos pontos diferenciais para a suspeita das CAPS são: a presença de uma forte suspeita clínica — sobretudo guiada pela recorrência dos episódios inflamatórios —, a ausência de infecções ou outras causas possíveis de inflamação, e a gravidade de apresentação.

Alessandra comenta que “no laboratório, era realizado um teste com os glóbulos brancos dos pacientes. Não é um exame laboratorial, é um tipo de avaliação que usa ferramentas de pesquisa. É feito um teste funcional, há um estudo do comportamento dos glóbulos brancos para identificar se existe uma desregulação no inflamassoma e, no caso específico das doenças CAPS, no receptor NLRP3”.

O teste pretende apresentar novas formas de diagnóstico além das já existentes, que são muito caras e pouco acessíveis.

Contato com os pacientes

“No Brasil, muitos não têm acesso nem ao diagnóstico e, quando tem, é muito caro. Estamos sempre tentando identificar modos mais rápidos e econômicos de realizar esse trabalho, que só é a pontinha do iceberg”, pontua a pesquisadora.

Ela ainda levanta dois pontos: “A primeira preocupação é a divulgação, para identificar quando a criança chega já com um histórico recorrente acima do esperado na faixa etária ou em casos de adultos com histórico de episódios inflamatórios não explicados ao longo da vida. A segunda é o diagnóstico, porque, mesmo quando o médico suspeita de uma doença autoinflamatória, ele precisa de ferramentas para comprovar e para identificar a terapia adequada”.

“A nossa pesquisa realiza aquilo que ainda não é possível em um laboratório de análise e espera fornecer as bases para o desenvolvimento de ferramentas adequadas para testes em larga escala e acessíveis”, diz Alessandra. Além disso, a pesquisa é importante para tranquilizar as famílias, já que evitaria o desgaste de muitas consultas médicas inconclusivas, viagens para centros especializados e frustrações com relação a falta de diagnóstico e tratamento eficaz.

“A gente não tem a cura [por conta das CAPS serem doenças genéticas], mas damos um nome e sobrenome à doença quando conseguimos. Essa é uma resposta que, para as famílias, é muito importante. Saber que aquela alteração tem um nome e, com isso, tem ao menos um tratamento. É importante eles saberem que não estão sozinhos, que tem mais pessoas que passam pela mesma situação”, pontua Alessandra.

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