Pesquisa busca responder porque existem tantos poços irregulares no Brasil

Além de descobrir os motivos que estão por trás da construção desses poços de forma irregular, o estudo visou trazer soluções para o problema

[Imagem: Reprodução/Couto Ambiental]

A água é o elemento mais importante para a manutenção da vida humana. Seja para o próprio consumo ou para a utilização nas atividades industriais, ela é indispensável no dia a dia. No Brasil, a maioria das residências é abastecida pela água superficial, ou seja, pelas águas que vêm diretamente dos rios e cantareiras. Porém, uma parte significativa dos municípios brasileiros, aproximadamente 40%, são mantidos pelas águas subterrâneas, isto é, as águas que são encontradas no subsolo.

“A água subterrânea é pouco divulgada nas escolas e no Brasil, então muitas pessoas não sabem que também flui água no solo e que esse recurso pode ser encontrado na maioria dos lugares”, informa o geólogo Antonio Pinhatti, pesquisador do Instituto de Geociências da USP (IGc-USP). Além da falta de divulgação, o pesquisador pontua que, pelo fato do recurso estar “escondido” no subsolo, isso contribui para a falta de conhecimento das pessoas.

Para captar os recursos hídricos subterrâneos, é construído um poço tubular profundo no solo que bombeia a água até as casas, indústrias ou instituições. “A empresa de engenharia responsável pela obra é contratada por um usuário, que pode ser uma indústria, condomínio, hotel, universidade ou hospital, na qual realizará a atividade de perfuração. Porém, para perfurar o poço, é necessário [o usuário] ter a autorização do DAEE, Departamento de Água e Energia Elétrica de São Paulo”, explica o geólogo.

[Imagem: Reprodução/AS – Geotecnia, Meio Ambiente e Poços Artesianos]
Contudo, pela facilidade de achar esse líquido no subsolo, muitos usuários contratam empresas que não estão regularizadas para realizar essa obra de engenharia e captar a água do solo: “O usuário também pode ter a ajuda de um geólogo ou um profissional que sabe fazer esse processo”, destaca o pesquisador. Por não ser emitido nenhum pedido de autorização para a execução da obra, o DAEE não tem conhecimento sobre a construção do poço, o que torna difícil a sua fiscalização. Por isso, esses poços são chamados de poços irregulares e, de acordo com o geólogo, estima-se que existam 2 milhões de poços no Brasil e mais de 70% são irregulares.

Os motivos que levam um usuário a construir um poço de forma irregular são diversos e foi a necessidade de investigá-los com a finalidade de trazer soluções que Antonio defendeu sua tese de Doutorado intitulada Por que existem tantos poços irregulares no Brasil? Para seu estudo, o geólogo analisou apenas os poços irregulares das áreas urbanas e descobriu quatro principais razões para haver inúmeros poços clandestinos.

De disparada, a primeira explicação é a falta de fiscalização eficiente no Brasil. Embora haja órgãos destinados a averiguar, controlar e fazer a gestão dos poços da região urbana, Pinhatti aponta falta de vontade somada à negligência por parte das autoridades. A falta de conhecimento da sociedade sobre o assunto também dificulta que as pessoas busquem os órgãos responsáveis para a construção desses poços. 

O terceiro motivo é a falta de dinheiro para custear a obra, o que leva o usuário a contratar empresas que não são regularizadas e que, por sua vez, oferecem um valor abaixo do mercado. A quarta razão, que o geólogo chama de “visão imediatista”, é a impaciência por parte do usuário na espera para a autorização ser aprovada, que demora até 120 dias. Esses motivos levam ao aumento de poços desconhecidos no país.

Por que fiscalizar?

De acordo com o geólogo, o uso do poço irregular pode trazer impactos. O primeiro, e mais impactante, é a possibilidade de um poço interferir na quantidade de água de outro poço: “Quando não se reconhece a existência de um poço ou vários numa mesma cidade, ocorrem conflitos. Um poço vai tirar a vazão do outro e com o tempo, o nível de água desse segundo poço vai abaixar significativamente até um momento que a bomba não vai conseguir mais bombear a água para cima, sendo necessário aprofundar o poço”. 

O geólogo chama atenção para a questão de haver uma superexplotação, que é quando há muitos poços bombeando no mesmo lugar e, consequentemente, diminuindo os níveis dos aquíferos. Além de que há a preocupação para com o modo como esses poços são construídos, uma vez que a obra mal-gerenciada pode contaminar o aquífero. 

Pinhatti destaca que a água subterrânea é extremamente importante pela sua “capacidade de resiliência, já que ela resiste à seca.” Além disso, é um recurso mais barato para se obter do que a água superficial: “Para o uso comercial é mais vantajoso. Em termos de abastecimento privado [a água subterrânea] chega a 10%.”, pontua o pesquisador. Por isso, é necessário haver fiscalização, para que o órgão encontre a melhor maneira de fazer um uso mais racional do recurso.

Contudo, para que isso ocorra, Pinhatti ressalta o compromisso que os órgãos competentes devem assumir para averiguar os poços que estão sendo construídos. Essa missão não se estende apenas ao DAEE, mas também ao CREA, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo, responsável por regularizar as empresas que prestam o serviço  de engenharia. Por fim, os municípios também precisam incentivar a fiscalização.

Como parte da solução, o pesquisador completa que, além da fiscalização, “é necessário a conscientização da sociedade e dos usuários sobre o assunto, para que saibam que a água não está apenas no rio, mas no solo também.” Ele continua que essa difusão da informação deve “começar no ensino fundamental”. O geólogo salienta que “a água subterrânea pode ser usada, mas existe um órgão responsável para ajudar” e conclui que qualquer indivíduo pode requerer a construção de um poço, desde que com a outorga do DAEE.

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