“Culpabilizar os ataques ocorridos nas escolas aos games é um risco”, afirma pesquisadora formada pela USP

Estudo revela maior uso problemático de jogos no Brasil do que em outros países em adolescentes do sexo masculino; comportamento violento pode estar associado desde a infância, em razão das distinções de gênero na cultura do brincar

Relação dos adolescentes com jogos pode influenciar diretamente em seus comportamentos [Foto: Reprodução/Unsplah] 

Um dentre os cinco jogos mais consumidos por adolescentes brasileiros envolve a temática da violência. Apesar disso, o presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva (PT) responsabilizou os games pelos ataques ocorridos nas escolas, que nos últimos dias deixou seis vítimas, dentre elas, crianças. Os ataques neste ano ocorreram em São Paulo e em Santa Catarina, e têm gerado insegurança em pais e responsáveis. 

A violência, no entanto, tem origens mais complexas. Reduzir esse problema, que também é estrutural, é arriscado. Para Luiza Brandão, doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP, esses casos quando associados a uma única causa, aos jogos, gera uma maior desinformação na sociedade. “Culpabilizar os ataques ocorridos nas escolas aos games é um risco! É cientificamente incorreto e menospreza a complexidade da questão”, explica ela à Agência Universitária de Notícias (AUN)

A violência está para além de um problema de segurança pública. “De fato, a sociedade tem se tornado cada vez mais violenta. Por se tratar de um fenômeno multicausal, qualquer tentativa de atribuir algum elemento específico ao problema é perigoso, porque a gente deixa de olhar para outros elementos que compõem esse cenário”, reforça a pesquisadora, que no doutorado chegou a estudar o uso problemático dos jogos por adolescentes brasileiros. A tese intitulada “Fatores associados ao uso problemático de vídeo games entre adolescentes brasileiros”, pode ser acessada pelo portal de Teses USP, neste link.

O estudo, a partir de um levantamento estatístico, apontou que 85% desse público consumia jogos eletrônicos, sendo 28% excessivamente, diagnosticados seguindo os critérios do Transtorno de Jogo pela Internet (TJI). Esse transtorno consiste no uso excessivo de jogos on-line, que acarreta prejuízos sociais e emocionais, como, por exemplo, abstinência: “A prevalência de jovens que jogam problematicamente encontrada no Brasil é maior que a de outros países, inclusive na América Latina”, pontua Luiza. 

Uma das hipóteses para isso está na dificuldade dos brasileiros se envolverem com outras atividades devido à falta de acesso a serviços de lazer, somados aos altos índices de violência urbana que impactam os encontros presenciais entre os adolescentes. Luiza também questiona a ausência do diálogo entre os responsáveis e os menores para que o problema se resolva. “Por exemplo, para os pais, não é seguro esses jovens se encontrarem às duas horas da manhã de sábado para se encontrarem na rua. No entanto, eles acham normal quando seus filhos estão no quarto jogando, no mesmo horário”, critica a doutora.

Conhecendo o usuário

A pesquisa também apresentou quem está mais propenso ao uso problemático a partir do método de regressão, técnica de análise estatística que determina a relação estimada entre variáveis. No estudo, as variáveis foram: gênero, idade, classe econômica, entre outras. A partir das respostas, Luiza, constatou qual perfil característico do usuário jogava em excesso, sendo ele: sexo masculino, usuário de tabaco e álcool, praticar ou ser vítima de bullying, ter níveis clínicos de sintomas de hiperatividade, problemas de conduta e de relacionamento entre pares. 

Regressões de acordo com variáveis sócio demográficas, bullying e sintomas de saúde mental. Quanto maior que um (1), mais forte é a associação dos fatores, a significância dos parâmetros. As condições com “-” significam que não há significância para parâmetros correlacionados/reprodução
Regressões de acordo com variáveis sócio demográficas, bullying e sintomas de saúde mental. Quanto maior que um (1), mais forte é a associação dos fatores, a significância dos parâmetros. As condições com “-” significam que não há significância para parâmetros correlacionados. Foto: Reprodução

Além disso, a pesquisadora afirma que esse perfil está intimamente ligado à estrutura da sociedade, que desde a infância distingue os brinquedos utilizados pelos garotos e garotas: “Ser do sexo masculino aumenta em 243% a chance de estar inserido em uso problemático de jogos. Eu entendo que a sociedade ensina os meninos violência mais cedo, e reconhecemos como aceitável, naturalizamos. Então, o menino que não é violento vai ser zoado e outras coisas mais”, exemplifica Luiza, especialista no atendimento de crianças e adolescentes.

Ela também constata a forte presença de jogos consumidos em mobile, smartphones, por ser aparelhos mais acessíveis às classes mais baixas no País. Daniel Yuji, 16, é apaixonado por jogos de ação, mas devido ao alto custo de computadores e tablets, só utiliza os games no aparelho celular. Ele não consegue jogar com constância em razão da rotina escolar, por estudar integralmente. Durante as 3h diárias que dedica a isso, conta que apesar de gostar de jogos e brincadeiras no mundo real, prefere o que acontece no universo on-line. “Fujo da realidade que estou e entro num mundo que posso fazer o que quero, como acontece quando jogo Minecraft”, narra o garoto ao mencionar os interesse do porquê joga.

Os responsáveis do menino regulam o uso de celular devido aos conteúdos violentos que alguns jogos contém. “Nós, adolescentes, preferimos jogar porque ali não estamos em um mundo difícil. Fico tão preso pensando na história dos games que já cheguei a encenar alguns movimentos que via nas telas. Mas nunca nada violento’, comenta Daniel.

 

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