Pesquisa visa o isolamento de substâncias anticâncer produzidas por bactérias marinhas

Futuramente, essa biotecnologia poderá auxiliar na criação de novos fármacos contra a doença

Bactérias utilizadas na pesquisa. [Imagem: Acervo pessoal/Bianca Del Bianco Sahm]

Está sendo desenvolvida na Universidade de São Paulo, em parceria com pesquisadores de outras universidades do país e também do exterior, um estudo multidisciplinar sobre substâncias anticâncer produzidas por bactérias marinhas. Na USP, o projeto envolve pesquisadores de diferentes unidades, Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP), Instituto de Biociências (IB), Instituto Oceanográfico (IO) e Centro de Biologia Marinha da USP (Cebimar). 

O câncer caracteriza-se pelo crescimento rápido e desordenado de células que sofreram algum tipo de alteração no DNA, ao passo que em uma situação normal as células do corpo crescem, se dividem, morrem e são substituídas de maneira ordenada.  Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), estimava-se que em 2020 mais de 600 mil  novos casos da doença seriam registrados no Brasil.

DNA em célula eucariótica. [Sponk / Wikimedia Commons]
As bactérias utilizadas na pesquisa são provenientes de corais, ascídias, do sedimento marinho e de outros animais coletados do fundo do mar ao longo da costa brasileira e nas ilhas oceânicas. De acordo com a professora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), Letícia Veras Costa Lotufo, “essas bactérias produzem diversas substâncias e aqui no laboratório nós estudamos seus efeitos nas células tumorais, principalmente ensaios in vitro, que são células em cultura retiradas de pacientes e mantidas em bancos comerciais.”

Dentre as substâncias isoladas no estudo, destacam-se a seriniquinona, que modula uma proteína presente nas células de melanoma (um tipo de câncer de pele) e induz a apoptose, ou seja, a morte celular, até mesmo nas células que apresentam resistência à quimioterapia; e cromomicina, a qual teve seus efeitos estudados no câncer de mama, melanoma e sarcoma (câncer que acomete os tecidos conjuntivos), onde, além de se ligar ao DNA, também inibiu o fator de transcrição TBX2 que tem um importante papel na sobrevivência e crescimento desses tumores.

Bactérias utilizadas na pesquisa. [Imagem: Acervo pessoal/Bianca Del Bianco Sahm]
“Essa é a etapa inicial da pesquisa de um fármaco, para isso virar um medicamento precisamos de muito investimento, testes em animais e testes em seres humanos.” Além disso, “temos que pensar nessa possibilidade de aplicação biotecnológica como uma forma de estimular a conservação do meio ambiente.”

Em laboratório, as bactérias marinhas são isoladas das amostras (pequenos pedaços de corais e porções de areia, por exemplo), fermentadas em líquidos a fim de fazê-las crescer e extraídas com um solvente orgânico. Após esse processo, tudo o que as bactérias produziram passa a ser estudado para o isolamento das substâncias ativas purificadas e posterior estudo da atividade em modelos de câncer. 

Entretanto, ainda são poucas as pesquisas acerca de substâncias anticâncer encontradas em organismos marinhos devido à falta de investimento, tecnologia farmacêutica e a dificuldades como a toxicidade de algumas moléculas, que acabam por afetar simultaneamente células saudáveis e tumorais.

Atualmente, existem no mercado 17 medicamentos de origem marinha, sendo 12 empregados no tratamento de câncer. Contudo, no Brasil foram desenvolvidos somente dois fármacos: Acheflan® (para inflamação e dor) e Helleva® (para disfunção erétil). “Para toda essa pesquisa e inovação ser viável, além de investirmos na ponta da indústria também precisamos investir na conservação dos nossos recursos, sejam marinhos ou terrestres.”

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