Não é comprovado que a Covid-19 tenha efeitos na saúde bucal

Reportagens e estudos trazem meias-verdades a respeito da relação entre o novo coronavírus e a saúde bucal [Imagem: Freepik

Com as incertezas na ciência à respeito da Covid-19, surgiram muitas informações sobre ela com pouco ou nenhum embasamento científico, utilizando como referência apenas relatos individuais ou meros “achismos”. Um exemplo disso é a recomendação por parte do Governo Federal do uso de remédios que hipoteticamente funcionam como tratamento preventivo para a Covid-19, mas não possuem eficácia comprovada.

Nessa lógica, ao final de 2020 foram publicadas algumas reportagens a respeito de uma suposta sequela do novo coronavírus. As matérias sugerem, baseadas em poucos relatos, que pacientes recuperados da Covid-19 podem sofrer com a queda repentina de dentes saudáveis.

Paulo Henrique Braz, professor da Faculdade de Odontologia da USP (Fousp), que possui como principal linha de pesquisa a relação dos diversos vírus com a cavidade oral, afirma que não há evidências científicas que sustentem essa correlação entre a perda de dentes e a doença causada pelo SARS-CoV-2. Segundo o pesquisador, a pessoa pode ter perda dentária por diversos outros fatores, como trauma ou doença periodontal.

Ele alega: “Na Covid-19 você não teve uma descrição de uma quantidade muito grande de casos que fizesse a relação direta do vírus, ou da condição sistêmica que a doença traz, com essas perdas. Não tem nada na literatura que comprove essa associação direta entre perda dentária e a Covid-19. Algumas vezes são casos esporádicos, que podem estar relacionados a outros inúmeros fatores que podem levar a uma perda dentária, mas que não a Covid-19 diretamente”. O professor ressalta, ainda, que os pacientes de coronavírus não estão isolados de outros fatores que podem levar a essa condição.

Ele acrescenta que, também, outras lesões orais foram descritas na Covid-19, e cita como exemplo um estudo espanhol recém-publicado que aponta características na língua como sinais da doença. De acordo com o professor, “é complicado estabelecer essa correlação, porque, sobretudo em pacientes que estão internados, há uma quantidade imensa de fatores ou de outras doenças, também, que podem levar a essas características na língua.”

Noticiar a respeito de sintomas ou sequelas da Covid-19 sobre os quais não há estudo científico pode ser algo perigoso, pois gera um alarmismo, muitas vezes, desnecessário. Sobre isso, Paulo Braz afirma: “Se não é uma característica evidente ou clássica que torne possível fazer essa correlação, a gente tem que tomar muito cuidado com as descrições que se fazem tentando correlacionar determinadas condições com essa doença nova. Sobretudo na cavidade oral, a gente tem que tomar sempre esse cuidado.”

A maior relação entre a pandemia e a saúde bucal é, na verdade, a manutenção dos cuidados comuns com a cavidade oral. Segundo Braz, esses cuidados não podem ser negligenciados em nenhum momento e, apesar das restrições impostas pela pandemia, não se deve postergar o atendimento odontológico, pois os dentistas têm protocolos de biossegurança muito bem estabelecidos.

De acordo com ele, “a maior recomendação que se dá em relação à saúde oral, nessa correlação da saúde oral com a pandemia, é nesse sentido [de não hesitar em ir ao dentista quando necessário]” e “buscar determinados sintomas ou características na boca que possam indicar uma infecção pelo SARS-CoV-2 ou indicar Covid-19 não é um bom caminho.”

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