Com a necessidade de isolamento e o fechamento de escolas e universidades causado pelo coronavírus, o ensino à distância e o futuro próximo da educação tornaram-se temas recorrentes na mídia e nos espaços estudantis, sendo um dos pontos centrais nas discussões o bem-estar e saúde mental dos estudantes em meio a pandemia. Thiago Marques Leão, pós-doutorando na Faculdade de Saúde Pública da USP, contudo, já estava preocupado com essa questão muito antes de a covid-19 ser uma preocupação mundial.
Em 2019, Leão publicou um artigo intitulado “Individualização e sofrimento psíquico na universidade: entre a clínica e a empresa de si”, com a supervisão da professora e pesquisadora Aurea Maria Zöllner Ianni. O estudo considera que a abordagem em relação a saúde mental e sofrimento tem sido cada vez mais individualizada, ou seja, retirada do seu contexto social, de forma a responsabilizar o estudante pelo seu sofrimento e pelas providências a serem tomadas.
O sofrimento, por parte dos estudantes, se manifesta de diversas maneiras, que ainda são difíceis de mapear, segundo Leão. “Ainda estamos em um estágio de investigação, mas já é possível identificar formas de expressão do sofrimento que são recorrentes nos depoimentos dos estudantes: tristeza, desânimo, ansiedade, medo, sobrecarga ou esgotamento, alterações de sono, sentimentos de não-pertencimento e solidão”, explica. Em casos mais graves, pode haver também “ideações sobre morte, auto-mutilação, evasão da Universidade e auto-isolamento social”.
Nesse sentido, a pandemia, o isolamento social e a situação política tendem a agravar esses problemas. Segundo Leão, a pandemia escancara contradições, conflitos e transformações da sociedade que colocam em xeque nossas certezas e nosso lugar no mundo. “O isolamento agrava a sensação de solidão e sobrecarga. Objetivamente, porque ficamos mais sozinhos em casa, interagimos menos ou mais remotamente com colegas e professores. E subjetivamente, porque nos sentimos mais sobrecarregados, não temos com quem dividir nossas tarefas, sentimos que estamos ainda mais pressionados a resolver tudo sozinhos, e tudo é sempre nossa culpa ou responsabilidade”, diz.
Novo olhar
Para compreender essa relação e lidar melhor com as implicações do sofrimento psiquíco, seja durante a pandemia ou não, é necessário um novo olhar. “Nossa proposta é que se busque entender o sofrimento em sua complexidade e propomos 4 dimensões que podem, conjuntamente, impactar negativamente a saúde mental dos estudantes”, explica Leão.
A primeira dimensão é particular, diz respeito à história de vida, vivências, conflitos familiares e outras situações que fazem parte da formação do estudante enquanto indivíduo. A segunda, diz respeito ao âmbito coletivo, ao contexto social, considerando que grupos diferentes experimentam o sofrimento de formas distintas. A terceira, trata dos aspectos pedagógicos, acadêmicos e institucionais da universidade, que são parte importante do sofrimento entre estudantes.
Já a quarta dimensão é chamada de sócio-conjuntural, e se refere a aspectos específicos e situacionais da sociedade. Ela trata de aspectos como crises políticas e econômicas, guerras e situações atípicas, como é o caso da pandemia de covid-19. “Há alguns meses, era difícil convencer as pessoas sobre a importância desta dimensão. Hoje vemos como a crise sanitária vem afetando todos nós, e como o sofrimento extrapola a dimensão individual, coletiva e acadêmica, afetados por esta condição conjuntural que enfrentamos hoje.”
O bem-estar é diretamente afetado pela situação que, além de causar sofrimento, dificulta que a universidade desenvolva melhores estratégias para lidar com o problema. “O ensino à distância vem no contexto de uma ruptura drástica do cotidiano habitual da sala de aula, e com a crise sanitária e política”, discorre o pesquisador.
Todo esse contexto dificulta que a universidade promova soluções coletivas para o problema do sofrimento, já que o próprio ensino se torna individualizado. “É muito difícil pensar em repostas quando ainda nem entendemos a pergunta. Estamos no meio da crise sanitária e política, não sabemos ainda ao certo como sairemos, ou quem sairemos desta conjuntural que tem o potencial de promover (ou intensificar) mudanças estruturais na sociedade”, comenta Leão.
Apesar de ser certo que o isolamento e o ensino à distância dificultam uma melhor estratégia por parte das universidades, não é impossível lidar com a situação, como explica o pesquisador: “Os estudantes não se encontram constantemente, não convivem, não trocam, não se conectam como coletividade concreta. E isto é problemático. Porém, outras ferramentas virtuais ou presenciais podem ser utilizadas”.
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