Atuação conjunta de governo e comunidade pesqueira deve ser a chave para adaptação às mudanças climáticas

Praia do Pontal do Leste/Canenéia, em maio de 2019. Foto: Debora Ramalho

Uma pesquisa de mapeamento dos agentes sociais atuantes na relação entre mudanças climáticas e pesca na costa Sudeste do Brasil apresentou importantes questões relacionadas às pequenas comunidades pesqueiras no litoral, principalmente ligadas aos efeitos das mudanças climáticas e ao seu enfrentamento. A autora do estudo, Debora Ramalho, indica que “embora as políticas públicas instituídas pelo governo venham a ser importantes para a redução da vulnerabilidade, mitigação aos danos e aumento da resiliência dessas populações, é fundamental consolidar a participação das comunidades dentro desse processo, atuando de forma ativa na tomada de decisão”.

Ramalho, que apresentou os resultados em sua dissertação de mestrado, aponta que, embora estejam expostas aos riscos das alterações no clima, as diretrizes associadas à pesca nos documentos analisados — na sua maioria, de esfera federal — são “bastante generalizadas”. Já a nível local e comunitário foi observado que os fóruns de discussão e as organizações atuantes nas comunidades pesqueiras estudadas não têm abordado o assunto, focando mais em outras questões, como medidas aparentemente consideradas mais emergenciais.  

“A pesca é uma atividade particularmente exposta aos riscos trazidos pelas mudanças climáticas, principalmente em regiões em que as águas do mar estão aquecendo de forma mais acelerada do que em outras áreas, que é o caso da Plataforma Sudeste do Brasil”, revela a pesquisadora. No cenário brasileiro, alguns fatores como a grande quantidade de comunidades dependentes dos recursos pesqueiros e as condições desiguais de desenvolvimento social agravam a vulnerabilidade das populações pesqueiras quando associadas às mudanças climáticas. 

Para lidar com essa situação, as políticas públicas, planos governamentais específicos e o fortalecimento das comunidades se apresentam como potenciais caminhos para aumentar a adaptação dessas populações. Entretanto, observou-se que os principais documentos da agenda climática brasileira não respaldam a pesca, um fato preocupante, segundo a pesquisadora responsável pelo trabalho. Por outro lado, o estudo revela que o mapeamento das redes de relações na interface pesca-mudanças climáticas se mostra uma ferramenta muito interessante e promissora para verificar os fluxos e potencialidades para tratar deste assunto nos diferentes níveis local, estadual e federal.

O estudo, desenvolvido no Instituto Oceanográfico (IO) da USP, teve como objetivo principal realizar o mapeamento dos agentes sociais que atuam na relação entre mudanças climáticas e pesca. “As comunidades pesqueiras sofrem com os efeitos das mudanças climáticas na zona costeira, e meu estudo fez um levantamento de quais instituições, documentos, planos governamentais, associações e fóruns discutem as medidas e ações necessárias de adaptação a tais mudanças”, conta Debora. 

O foco do estudo foi a pesca de pequena escala: reunindo os dados coletados em documentos e entrevistas com pescadores, a pesquisa mapeia, de forma gráfica, a rede de governança que estabelece os fluxos, atores e interações relacionados a essa interface.. A autora espera, com seu trabalho, orientar e apontar os melhores caminhos para a formulação de políticas públicas que abordem a vulnerabilidade da pesca às mudanças climáticas e favoreçam ações mais efetivas. 

A investigação identificou que os principais documentos jurídicos oficiais sobre mudança do clima não contemplam diretamente o setor da pesca, principalmente as questões relacionadas à vulnerabilidade, exposição e adaptação dos pescadores aos impactos das mudanças climáticas. Tanto na Política Nacional de Mudança do Clima quanto no Plano Nacional de Adaptação às Mudanças do Clima há escassez de dados e menções a respeito de tais temas, evidenciando que a pesca, apesar de sua importância socioeconômica e cultural no Brasil, não é priorizada por órgãos e resoluções governamentais. 

A dissertação de mestrado foi desenvolvida no Laboratório de Ecossistemas Pesqueiros (LabPesq) sob orientação da professora Mary Gasalla com apoio da Fapesp e da Capes, e fez parte do contexto de um projeto internacional Gulls (Aprendizado global para soluções locais: reduzindo a vulnerabilidade das comunidades costeiras dependentes do mar), financiado também pela Fapesp e pelo Belmont Forum. 

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