Avanços e retrocessos de São Paulo em políticas de mudanças climáticas

Pesquisa mostra como a cidade foi pioneira ao abordar o assunto no país

Poluição na cidade de São Paulo. Fonte: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A cidade de São Paulo foi pioneira no país com relação a políticas públicas de mudanças climática. E muitos de seus moradores sequer sabem disso. Ainda assim, vem ocorrendo uma série de retrocessos sobre o tema nos últimos anos. Todo esse processo de implementação de políticas no governo municipal até os dias de hoje é narrado e analisado pelo pesquisador Guilherme Checco em sua pesquisa de mestrado. A ideia é tentar entender quando esse pioneirismo começou, suas motivações e o porquê desses retrocessos. O estudo feito pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente da USP (IEE), trabalha com dois métodos de análise. São observados tanto as políticas efetivamente implementadas quanto a importância para o tema que a prefeitura dava em seu discurso.

Pioneirismo paulistano

A cidade foi precursora nesses dois aspectos: empírico e discursivo. Pensando nesse primeiro fator, a lei municipal voltada para mudanças climáticas em São Paulo, por exemplo, é anterior à federal. “Mesmo antes da lei em 2009, São Paulo já vinha adotando uma série de ações que apontavam para as mudanças climáticas como um desafio e como um problema que lhe era devido.”

No entanto, para o pesquisador, foi no aspecto discursivo a principal inovação. “Não estou falando daquele discurso talvez fajuto e que normalmente vinculamos aos políticos: o discurso pelo discurso. Mas sim do que chamo na dissertação de um guarda-chuva explícito, que permitiu uma articulação entre diferentes políticas setoriais”, explica.

Segundo ele, o governo Marta Suplicy (2001 – 2004) pode ser identificado como um ponto de partida. “O que eu atesto na dissertação é que os primeiros passos de mudanças climáticas na cidade São Paulo foram dadas nessa administração”. Uma figura importante para isso foi Stela Goldenstein, na época a frente da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, chamada de pasta do verde. Ela começou uma aproximação com o ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, organização internacional “com o propósito de articular e conectar governos locais para trabalhar com assuntos de sustentabilidade, entre eles, mudanças climáticas”. Outro momento identificado como inicial pelo pesquisador foi o aproveitamento energético no aterro Bandeirantes, processo em que os gases liberados pelo aterro são utilizados para geração de energia.

Se iniciativas do tipo começaram no governo Marta, foi com José Serra, do PSDB, (2005 – 2006) como prefeito que ele se materializou. Na pasta do verde assumiu Eduardo Jorge, do Partido Verde (PV), nome que viria a ter grande importância nas ações da cidade. ”De maneira explícita, escancarada e até como estratégia política, é nesse momento que as mudanças climáticas ganham força política e discurso.”

Em seu mandato de dois anos foi instalado o Comitê Municipal sobre Mudanças Climáticas e Ecoeconomia Sustentável, com o objetivo de discutir e promover políticas sobre o assunto na cidade. O governo também incentivou ações intersetoriais entre as diversas secretarias. Como exemplos, temos a divulgação da Carta da Terra nas escolas, documento que aborda princípios e valores de sustentabilidade em todo o mundo; o Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS), que insere políticas ambientais no campo da promoção de saúde; e a inspeção veicular.

Além disso, foram concluídas diversas ações que haviam iniciado no governo anterior, como o 1º Inventário de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa do Município de São Paulo, publicado em 2005 e com dados de 2003. O documento mostra o total de emissões na cidade por ano, e o quanto cada área da economia é responsável pelo resultado.

Com a saída de José Serra para concorrer ao governo do estado em 2006, Gilberto Kassab, do DEM, assume a prefeitura se reelegendo posteriormente em 2008. Suas ações com relação às mudanças climáticas apresentaram uma continuidade com o que vinha ocorrendo. “Ele continua e reforça todas as determinações e diretrizes que o Serra tinha dado”. Eduardo Jorge é um exemplo disso, sendo mantido na pasta do verde.

 

Como principal momento de sua gestão está a implementação da Política Municipal de Mudança do Clima no Município de São Paulo, instaurada em 2009. “Ela de fato é muito importante, porque gera um compromisso legal e representa a consolidação desse conjunto de ações. Diferentemente da política estadual e nacional, ela coloca metas e compromissos e objetivos muito claros.”

Retrocessos recentes

Com a vitória de Fernando Haddad em 2012 ocorre uma quebra com tudo que vinha acontecendo até então, tanto no discurso quanto empiricamente. “Ações que estavam sendo implementadas desde um bom tempo são, em sua grande maioria, paradas ou até revertidas”. A suspensão em 2013 da inspeção veicular é um dos exemplos. Na época, a prefeitura prometeu que as atividades voltariam, o que até hoje não aconteceu. Checco também relembra a polêmica construção de habitações sociais em área de manancial no Parque dos Búfalos. Para ele, ambos os casos são simbólicos e mostram como o assunto não era prioridade na gestão Haddad.

E esse comportamento também se estendeu para o discurso. Mesmo quando fazia ações de impacto positivo para o tema, elas não eram valorizadas pela prefeitura desse modo. A criação de corredores de ônibus, por exemplo, afeta a mobilidade urbana, mas também interfere nas mudanças climáticas. “Ele não vinculou nesse guarda-chuva. Mobilidade urbana é uma questão de política social e no governo dele o discurso para aí.”

A partir de então, o pesquisador explica que o protagonismo nas mudanças climáticas saiu do executivo e foi para o legislativo. “Especialmente na figura da frente parlamentar pela sustentabilidade.”

 

Influências das políticas paulistanas

É difícil traçar influências diretas das ações paulistanas em outros locais, mas o jogo político da época ajuda a entender um pouco da movimentação. Durante o governo Kassab, Serra era governador e Lula, do PT, presidente da República. A nível estadual tinha se uma oposição ao governo federal, tornando de suma importância atingir certos objetivos primeiro, gerando uma pressão política grande. São Paulo estava largando na frente e o Planalto não iria deixar para menos. Um exemplo disso, é que leis semelhantes tratando de mudanças climáticas surgiram posteriormente no mesmo ano (2009) tanto em âmbito estadual como federal.

Internacionalmente São Paulo também buscava se colocar como referência. A C40, conferência que ocorre a cada quatro anos e reúne 40 das maiores cidades do mundo para debater mudanças climáticas, é um desses casos. Em 2007, realizada em Nova York, Kassab assumiu o compromisso com o tema. Quatro anos depois, foi a capital paulista a anfitriã do encontro, o que já demonstra os bons resultados. “O fato de ocorrer em São Paulo é um indicativo que a cidade tinha algo para vender. Fez a lição de casa.”

Sobre a continuidade das ações entre os períodos, Checco acredita que foi intencional, mas faz ressalvas. Para ele, as políticas públicas não são um processo bem formatado com etapas bem definidas. “É uma confusão assim como a dinâmica social. É difícil identificar um começo, meio e fim. Tiveram articulações bem pensadas e planejadas, mas isso ocorreu durante o processo. Foi uma coisa viva”, relata.

Dados não comprovam

Com diversas políticas públicas visando enfrentar as mudanças climáticas, o esperado era que os números brutos de emissões de gases de efeito estufa (GEE) caíssem na cidade. Dados do 2º Inventário de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa do Município de São Paulo, publicado em 2012, mostram que, entre 2003 e 2011, a menor taxa de emissões obtida na cidade ocorreu em 2009, quando elas foram 4% menores do que em 2003. Já em 2011, elas foram cerca de 7% maiores, sendo o número mais alto da série.

Como a variação não é constante e muito pequena, Checco explica que numericamente pouco mudou. “O inventário vai mostrar que as emissões se mantiveram praticamente constantes.” Os motivos, para ele, são muitos. “É um problema tão complexo que uma medida hoje vai surtir efeito só daqui a muitos anos. Até porque as políticas são implementadas de maneira gradativa. Do ponto de vista temporal, oito anos não é nada.”

Futuro das políticas sobre o tema

Acreditar na importância das mudanças climáticas é um dos motivos que levou Checco a essa pesquisa. “Elas são o que muitos autores definem como o principal desafio da sociedade contemporânea.” Segundo ele, políticas para combatê-las são vistas muitas vezes como um trabalho apenas de estado. “É um desafio tão grande e complexo que se os governos locais não se apoderarem do debate, participarem e promoverem ações para combate, não vamos de onde estamos”. O pesquisador acredita ainda, que a responsabilidade da mudança vai muito além dos governos. “Tenho dúvida se a própria máquina do estado que tem o dever exclusivo de mudar esse cenário. Acho que existe uma questão forte de participação social, de organizações não governamentais e da própria mídia”, completa.

 

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