Alunos levam atendimento farmacêutico gratuito a cidades do interior

Projeto da USP aproxima universidade da população e proporciona experiência prática para os estudantes

Atendimento domiciliar tira dúvidas da população quanto ao uso correto de medicamentos. Foto: Rafael Taminato Hirata

Muitas cidades do Brasil ainda enfrentam problemas estruturais no sistema de saúde pública, principalmente aquelas situadas no interior. A Universidade de São Paulo, por outro lado, é uma instituição pública que deve gerar retorno social para a população, é nesse sentido que a Jornada Científica dos Acadêmicos de Farmácia-Bioquímica USP atua. Projeto de extensão da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), a iniciativa reúne estudantes de todos os anos do curso de Farmácia a fim de realizar, anualmente, um intenso trabalho de saúde pública em alguma cidade do interior.

O projeto funciona com um contato direto entre os estudantes e a população, levando educação e saúde. Após escolhida a cidade, os jornadeiros, como são chamados, passam 21 dias desenvolvendo trabalhos com os habitantes, que envolvem desde visitas domiciliares à realização de exames. Os alunos visam conversar com as pessoas, levando conhecimento sobre o uso correto de remédios, a prevenção de doenças (como parasitoses) e campanhas contra diabetes, hipertensão e colesterol — doenças cada vez mais comuns nos dias de hoje.

Lais Moreira, estudante do terceiro ano de Farmácia e atual coordenadora geral do projeto, explica que os jornadeiros são divididos em grupos específicos: atendimento à crianças, adolescentes e idosos, por exemplo. No caso dos idosos, além da atenção redobrada com o uso de medicamentos na forma e frequência correta, a Jornada Científica também foca em cuidados que vão além da saúde física: “Nós trabalhamos bastante para eles criarem uma rede de apoio e não ficarem sozinhos, porque, muitas vezes, os filhos foram embora e eles ficaram abandonados”, conta. “Eles são pessoas bastante carentes de carinho e conversa”.

O acompanhamento de idosos é importantíssimo, tanto no uso de medicamentos quanto na parte psicossocial. Foto: Ana Clara Panontin Scarabelli

As crianças também são público alvo importante. A parte educacional é essencial, evitando, por exemplo, parasitoses, ao lavar bem as mãos e o alimento antes de ingerí-lo. Mas também há a parte psicossocial: os jornadeiros abordam questões como bullying e sonhos e metas de vida, por exemplo, porque a saúde mental também é importante.

Além do contato direto com a população, os estudantes desenvolvem um lado mais prático e clínico: realizam exames de sangue, fezes e urina gratuitamente, em um laboratório montado por eles mesmos na cidade. Esses exames buscam identificar e combater parasitoses e doenças como diabetes, anemia, hipertensão e colesterol alto. Nesse sentido, Lais considera o projeto bem completo, pois aborda várias partes da profissão de farmacêutico, tanto clínico como interpessoal e de caráter público.

Oportunidade também para crescer

Acompanhados por quatro professoras da unidade e uma farmacêutica, os alunos passam por um processo seletivo e diversos treinamentos antes de realizar a campanha na cidade. Nesse sentido, o projeto é também uma oportunidade de agregar conhecimento acadêmico na prática, porque são os próprios estudantes que realizam e analisam todos os exames, além de estar em contato direto com a população todo o tempo. “Eu fui no meu primeiro ano de graduação e não sabia muita coisa. Não sabia, por exemplo, sobre doenças, era uma coisa muito abstrata. E com os treinamentos e nosso trabalho lá, aprendi muito”, diz Lais.

Também é um treinamento para outra habilidade essencial do farmacêutico: o contato didático com o paciente.  “Às vezes, você sabe muita coisa e não consegue passar para as outras pessoas. Lá, são 21 dias de transmitir informação”, conta Júlia Sapienza Passos, estudante do quarto ano do curso e ex-coordenadora geral do projeto.

Educação de crianças é fundamental na prevenção de doenças. Foto: Rafael Taminato Hirata

Mas não é somente no âmbito profissional que as jornadeiras consideram ganhos. Por se tratar de um projeto de extensão de caráter público, a Jornada Científica também tem um retorno pessoal: “Eu acho muito legal a ideia de se doar e poder ajudar alguém, sem receber algo em troca, mas fazendo algo que gosta”, diz Lais. “Para mim, a Jornada foi uma super porta aberta pra isso. É encantador.”

Júlia conta que o projeto foi ainda mais impactante em sua vida, e chegou a definir a escolha do curso enquanto ela ainda estava indecisa: “Eu vim [à FCF] em uma visita monitorada, conheci e o projeto e pensei: ‘é isso que eu quero fazer da vida’”, relata.

Existente desde 1964, com algumas pausas na década de 1970 devido ao Projeto Rondon, da ditadura civil-militar, a Jornada Científica foi retomada em 2003 e acontece, desde então, todo janeiro, em ciclos de três ou quatro anos em cada cidade. Atualmente, o projeto caminha para o seu terceiro ano na cidade de Fernão, em 2019.

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