Pesquisa analisa os impactos de Belo Monte na Volta Grande do Xingu

Iniciativa utiliza abordagens inovadoras para monitorar as consequências da construção da hidrelétrica em região de extrema importância para o ecossistema e comunidades locais

Fonte: Mark Sabaj Pérez

Em comparação com fontes de energia fóssil, as hidrelétricas acabam sendo consideradas uma opção mais sustentável. Entretanto, essas usinas também geram grandes impactos negativos na região onde são instaladas, como é o caso do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte (CHBM). Este é o tema da tese de pós-graduação “Caracterização e monitoramento da dinâmica de alagamento e dos ambientes sazonalmente alagáveis da Volta Grande do Xingu através de sensoriamento remoto”, por Alynne Affonso, pesquisadora do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP).

Antes de entender o escopo da pesquisa, é importante considerar a importância da região paraense de Volta Grande do Xingu (VGX) para o ecossistema e as comunidades locais. Formada por cachoeiras, curvas e canais rochosos, é caracterizada por ciclos de inundação sazonal do rio Xingu, responsáveis pela fauna endêmica rica de peixes adaptados às cachoeiras e quedas d’água e pelas condições adequadas dos ambientes de vegetação alagável, que são indispensáveis para a manutenção da vida. Povos tradicionais da região, como indígenas e ribeirinhos, têm sua cultura e tradições em completa sintonia com esse fenômeno.

Os elementos que justificam sua abundância natural, entretanto, são os mesmos que fundamentam sua devastação. Por suas características geomorfológicas únicas, o local foi escolhido para a construção do CHBM. O projeto desviou as águas do rio Xingu para construção de dois reservatórios que afogaram áreas de centenas de quilômetros quadrados. O desvio também reduziu o fluxo de água da região, causando escassez hídrica, e prejudicou o modo de vida das populações locais, que dependem da riqueza da biodiversidade e das condições de navegação do rio.

Para avaliar os impactos do CHBM, Alynne utilizou um leque de ferramentas de monitoramento. “Nos baseamos em aprendizado de máquina para analisar mudanças no uso do solo entre 2000 e 2017, voos de drone para criar modelos 3D dos ambientes alagáveis, e dados de altimetria por satélite para inferir mudanças na altitude da água após a construção do complexo hidrelétrico”, explica a pesquisadora. “Essas informações permitiram compreender como as áreas alagáveis eram antes do CHBM existir e como elas vêm sendo impactadas com a mudança da hidrodinâmica do rio.”

Vale dizer que a modelagem 3D permitiu uma abordagem inovadora para o campo de pesquisa. “A ferramenta gerou ‘maquetes virtuais’, modelos em realidade virtual muito próximos da paisagem real. Essa abordagem é bastante utilizada na preservação e conservação de patrimônio histórico e arquitetônico, mas seu uso ainda é incipiente para patrimônio natural e cultural”, conta Alynne. “Esse tipo de visualização em 3D proporciona uma abordagem quantitativa de qualidade, facilitando estudos remotos e economizando tempo e recursos, bem como facilitando a conscientização ambiental de usuários leigos”.

A inovação, contudo, trouxe consigo más notícias. A pesquisa de Alynne detectou uma redução bastante significativa das áreas alagáveis, mudanças na altura da superfície da água ao longo do tempo e uma transformação agressiva da paisagem. Florestas de terra firme foram submersas, áreas permanentemente alagadas viraram áreas sazonalmente inundadas e vice-versa, afetando a manutenção da fase aquática da vida na VGX.

Considerando os resultados, Alynne espera que a pesquisa forneça ferramentas para a conservação da região e influencie as decisões sobre o futuro da Volta Grande do Xingu e a operação de Belo Monte. “Para as populações tradicionais, esperamos que os resultados apoiem iniciativas de monitoramento independente e fortaleçam seus direitos com base em evidências científicas de qualidade”, afirma a pesquisadora. “Quanto às ciências ambientais, as contribuições da pesquisa incluem resultados inéditos da VGX, destacando a importância de uma abordagem abrangente e transdisciplinar, inspirando outros cientistas a explorar essa região pouco estudada na literatura científica.”

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*