Evento discute como práticas esportivas em prisões pode ajudar no desenvolvimento de detentos

Palestra foi conduzida por pesquisador egresso da EEFE [Imagem: Miriã Gama]

A Comissão de Pesquisa da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) da USP organizou uma palestra para discutir o papel do esporte no sistema prisional brasileiro. No dia 23 de abril, mais de 100 pessoas se reuniram no auditório Prof. Dr. José Geraldo Massucato para assistir ao pesquisador Rubens Heller Mandel. 

Bacharel pela EEFE e mestre em International Sport Development and Politics pela German Sports University Cologne, ele estuda justamente como o esporte pode servir em prol do desenvolvimento social. O principal foco de suas pesquisas são as prisões brasileiras e a ressocialização de pessoas privadas de liberdade.

Iniciativa da EEFE reuniu mais de 100 pessoas no Auditório Prof. Dr. José Geraldo Massucato [Imagem: Miriã Gama]

Desenvolvimento e individualidade

Na primeira parte do evento, Rubens explorou algumas definições clássicas de desenvolvimento, expondo a forma como este conceito se transformou ao longo do tempo e tem sido utilizado para fomentar a superioridade de alguns indivíduos em relação a outros. A classificação das Nações Unidas, que separa os países em desenvolvidos e subdesenvolvidos baseando-se em índices socioeconômicos, evidencia este lado excludente e segregacionista do desenvolvimento. 

Entre as diversas teorias a respeito deste conceito, o pesquisador apontou a do Capability Approach, ou Abordagem das Capacidades, como a mais aplicável. Pensada por Amartya Sen e Martha Nussbaum, esta abordagem considera que o desenvolvimento é pautado na expansão das liberdades e oportunidades que um cidadão tem para alcançar aquilo que ele próprio entende como qualidade de vida e bem-estar. 

“Então, [a teoria] é extremamente focada no indivíduo, no que importa para ele, e com isso considera todo contexto cultural, racial, social, de gênero… todos os âmbitos nos quais essa pessoa está envolvida e coloca ela como sujeito do seu próprio desenvolvimento”, explicou Mandel. 

O pesquisador afirma que o papel do Estado é fornecer recursos para diminuir os fatores que inibem o cidadão de alcançar aquilo que ele considera importante [Imagem: Miriã Gama]

Os papéis do esporte

Ao relacionar o esporte com o desenvolvimento, o palestrante alerta sobre a necessidade de um olhar crítico, levando em consideração os pontos negativos da prática esportiva e tendo cuidado para não colocar o esporte como um “super-herói”, com capacidade de resolver todos os problemas sociais existentes. Considerando o Capability Approach, o desporto pode assumir dois papéis: o de meio e o de finalidade.

O esporte é um meio por, em situações específicas, atuar como um caminho para um objetivo final maior, como a forte utilização de campeonatos de futebol em escolas para incentivar a presença dos alunos e evitar a evasão escolar. Nessas situações, o esporte atua como um instrumento para a garantia de outros direitos fundamentais.

Mas o esporte vai além de somente um gancho para outras ações. “O esporte é um direito. Se a gente for olhar a Constituição Brasileira, está lá que todo cidadão deve ter direito de acesso ao esporte. Então, ele pode ser encarado como um fim e não só como um meio para levar a outras ações”, afirma o pesquisador. Se um indivíduo tem suas necessidades saciadas e utiliza o esporte para alcançar a qualidade de vida, então ele é um fim. 

O esporte no sistema carcerário

Durante seu processo de mestrado, o palestrante participou do Censo Nacional de Esporte e Lazer no Sistema Prisional, promovido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), e utilizou os dados para realizar sua tese. O censo revelou que os principais desafios para implantação da redução penal através da prática de atividade física e esportiva (AFE) nos presídios são as condições gerais, englobando questões de saúde, alimentação, higiene e estrutura. 

Sobre esse último ponto, Rubens conta que conversou com especialistas no assunto de outros países durante a realização de sua pesquisa e o contraste entre as penitenciárias brasileiras e as estrangeiras é notável. Ele descobriu, por exemplo, que alguns presídios espanhóis possuem uma infraestrutura adequada o suficiente para comportar piscinas voltadas à natação.

Mesmo sendo garantida pela legislação brasileira, a redução de pena através da prática de atividade física e esportiva ainda é pouco usual no país. “Isso [remissão de pena] já acontece há muito tempo com o trabalho e com a educação escolar formal, com a leitura já está mais em prática, mas com esporte praticamente não acontece”, comentou o pesquisador. 

Segundo levantamento da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), o número de custodiados no Brasil em junho de 2023 era de 644.794 em celas físicas e 190.080 em prisão domiciliar [Imagem:Pixabay]
Além dos obstáculos já citados, outro problema é a falta de estruturação da AFE dentro dos presídios, uma vez que a maioria das atividades acontecem informalmente, incentivadas pelos próprios encarcerados ou por um agente penitenciário que já teve contato com o esporte.

Isto ocorre pela ausência quase total de profissionais da educação física e do esporte dentro das prisões, o que pode levar a consequências negativas de uma atividade mal executada. “A AFE também pode trazer questões prejudiciais e, nesse cenário, principalmente relacionado à alta competitividade. Se ela não é feita de uma forma planejada e cuidadosa, uma competitividade exacerbada em uma atividade esportiva dentro do sistema prisional pode agravar algumas questões em vez de levar a melhoria delas”, afirma Rubens.

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