Violência contra gestantes tem raízes sociais, econômicas e políticas

Especialistas avaliam que um acompanhamento gestacional multidisciplinar é essencial para uma melhora efetiva da situação

A violência contra gestantes pode ser prolongada também para o pós-parto. [Foto: Freepik]

Mulheres gestantes apresentam duas vezes mais chances de serem assassinadas durante a gravidez ou em um período curto após o parto do que morrer pelas três principais causas médicas de morte materna, de acordo com uma pesquisa realizada pela Escola de Saúde Pública de Harvard

O dado faz parte de um quadro alarmante e pouco discutido: a violência contra grávidas. Um recente estudo, denominado como A relação da violência com a saúde mental e estado nutricional de mulheres na gestaçãorealizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), revelou que os casos de violência contra essas mulheres possuem efeitos diretos na saúde mental e no estado nutricional das vítimas. 

Saúde mental X Estado nutricional 

Leonardo Domingos Biagio, mestre em Ciências pela FSP/USP e autor da pesquisa, explica que o estudo é a continuidade de um projeto que já estava sendo conduzido em Araraquara, interior de São Paulo. Com a orientação da professora Patrícia Helen de Carvalho Rondó, o pesquisador decidiu seguir o trabalho dando enfoque para a saúde mental e estado nutricional de mulheres gestantes. 

A ideia central da pesquisa é levantar o debate sobre violência gestacional para preencher uma lacuna na literatura desta área. Com isso, o nutricionista utilizou duas escalas para avaliar os tipos de agressão contra a mulher. A primeira, produzida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), apresenta informações gerais e avalia a violência na vida da gestante nos últimos 12 meses — entre os tipos de agressão, encontram-se a psicológica, a física e a sexual. 

A segunda escala utilizada pela pesquisa foi a Escala de Depressão Pós-Natal de Edinburgh (EPDS), que considera o histórico de vida da vítima e é pensada para os casos que envolvem gravidez. “Ela consegue avaliar se a gestante, no momento da entrevista, sente medo de alguém, seja do parceiro, de algum familiar ou de alguma pessoa próxima”, explica Biagio.

Vulnerabilidade e estado nutricional 

Durante a pesquisa, o pesquisador aponta que foi observado que, no início da gestão, as mulheres tendem a sofrer mais violência que em outros períodos, principalmente do tipo física, pois as “características” associadas à gestação ainda não apareceram. Assim, à medida que a gravidez avança, a violência física costuma diminuir, enquanto a psicológica segue durante os três trimestres. Ainda de acordo com o estudo, 52,2% das gestantes relataram ter sofrido algum tipo de violência durante sua vida — com a violência psicológica sendo presente em 19,5% dos casos. 

Além disso, cerca de 43% das gestantes apontaram ter algum tipo de mudança em sua saúde mental durante a gravidez. Apesar dos resultados, o nutricionista destaca que essa questão ainda é um debate na literatura, pois diferentes pesquisas apontam para resultados amplos, sendo necessária uma avaliação mais dedicada a essa perspectiva para índices mais precisos. 

Outro aspecto importante do estudo é a abordagem do estado nutricional das gestantes em aspectos que vão para além dos quadros biológicos clássicos. O especialista debate que é comum a associação feita entre estado nutricional e o consumo e gasto energético. “Fatores sociais e culturais, como a violência contra a mulher, podem levar a um ganho de peso excessivo ou a uma perda extrema”, considera. 

Os principais resultados associados a esses fatores, revelaram que mulheres com alterações na saúde mental e que sofreram algum tipo de violência psicológica tiveram maior risco de desenvolverem obesidade. Isso acontece, entre diferentes motivos, pois a violência pode ser utilizada como mecanismo de enfrentamento nesses cenários. 

Acompanhamento multidisciplinar 

“Muitas vezes, a mulher está fragilizada emocionalmente, em um período muito vulnerável e isso pode fazer ela ficar vinculada a relacionamentos disfuncionais e tóxicos”, complementa o pesquisador. Em conjunto a isso, existem questões econômicas que também explicam a maior vulnerabilidade de mulheres gestantes. 

Esse aspecto ganha destaque com a revelação de que a literatura sobre o tema aponta que mulheres mais novas são as principais vítimas desse tipo de agressão. Atualmente, não existe nenhuma política pública específica para o enfrentamento da violência doméstica durante a gestação, pois considera-se que existem outros programas que englobam esse debate. Contudo, Biagio avalia que seria interessante a criação de um projeto nacional específico para delimitar e orientar essas ações. 

Por fim, segundo o pesquisador, a criação de uma equipe multidisciplinar para acompanhar as gestantes por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) parece ser essencial para uma melhora desse processo. Ou seja, a presença de psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais e outros profissionais da saúde é importante para o desenho de melhores planos nesse debate.

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