Estudo observa a escrita de mulheres a partir de ambientes coletivos e exclusivos

A literatura e o mercado editorial são espaços de poder, e uma das saídas para melhorar o acesso a eles é a construção de espaços coletivos de produção

Foto: Reprodução/Facebook Coletivo Clube da Escrita de Mulheres

O mercado editorial é um lugar de difícil alcance para muitas mulheres. Na literatura hegemônica do Brasil, o escritor tem um perfil predominante: homem, branco, heterossexual, de classe média. Nesse sentido, a literatura torna-se um espaço privilegiado de expressão. Onde estão, então, as mulheres que ainda não alcançaram espaço dentro desse mercado? Um estudo recente realizado pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP) observa essa questão. 

Foto: Reprodução/Cami Onuki

Tatiana Lazzarotto, mestre em Estudos Culturais pela EACH/USP e escritora, havia se distanciado do espaço acadêmico por 10 anos. Quando retornou, buscou entender a desigualdade de gênero dentro da literatura, partindo do quantitativo de que homens estão publicando mais do que mulheres. O objetivo era investigar o que está sendo escrito agora por mulheres – ainda que não tenham obras publicadas – e quais espaços podem estimular essa produção. 

Foi nesse contexto que encontrou o Coletivo Clube da Escrita de Mulheres. A pesquisadora utilizou o método de pesquisa chamado Observação Participante, que consiste no estabelecimento de um relacionamento multilateral e de longo prazo com uma associação – neste caso, o Coletivo –, com o propósito de desenvolver o entendimento científico. Ainda que a pesquisa tenha sido atravessada pela pandemia, foi possível observar diversos aspectos nos encontros do Coletivo. Além disso, também contou com a distribuição de questionários para coleta de informações anônimas sobre as participantes.

Desde o início, sua pesquisa foi na contramão de um senso comum: de que as mulheres escrevem menos. “Na verdade, as mulheres estão escrevendo, e o fato de elas estarem em grupos iniciando esse movimento de escrever e tornar pública a sua escrita contraria esse senso comum”, Tatiana explica. Nesse sentido, a pesquisa de Mestrado não se concentrou na ausência de mulheres escritoras, mas na potência dessa escrita. Entre as atividades desenvolvidas no Coletivo, as participantes leem o que escrevem em voz alta e recebem exercícios para praticarem a escrita nos intervalos entre os encontros. 

Como funciona o Coletivo?

O Clube é um espaço coletivo, onde as mulheres se inserem e se enxergam como pertencentes àquele grupo. É também circular: as produções são compartilhadas entre elas. A pesquisa teve uma perspectiva interseccional, analisando as experiências das mulheres não de forma universal, mas considerando as diferentes opressões sofridas e suas diferentes vivências. Durante o acompanhamento das atividades, a pesquisadora observou que ao ter um público, ler em voz alta e receber um retorno rápido sobre o que foi produzido, desenvolve-se autoconfiança para assumir a escrita e o encorajamento para o autorreconhecimento  enquanto escritora. Tudo isso contribui para o entendimento de que a literatura não precisa ser solitária, ainda que a escrita seja feita individualmente.

O título da pesquisa também não é por acaso: “Não apague o que você escreve” é uma frase continuamente repetida no Coletivo. O perfil das participantes é outro ponto de destaque, e a pesquisadora aponta que é possível questionar quais mulheres conseguem acessar esses espaços de escrita coletiva, considerando todos os possíveis impasses, como a carga mental  das mulheres. “Quem é a mulher que pode se dedicar uma vez por mês a ir no centro de São Paulo para ter uma manhã livre para uma produção artística? A aplicação do questionário revelou que a maioria das mulheres que frequentam esse clube tem acesso a um curso de pós-graduação, então a escolarização é um grande recorte. O Clube é um espaço democrático e aberto a todas as mulheres, por isso alguns bloqueios não partem dele e, sim, de questões estruturais”, ela explica.

Essas observações da pesquisadora alertam à importância da disseminação da escrita feminina coletiva e a relevância de existirem mais espaços de estímulo da escrita para além da escola. Ambientes esses que sejam seguros e acessíveis para praticar a criação coletiva, que extrapolam o ambiente do Coletivo em São Paulo – isto é, fora do centro da cidade, em lugares em que todos possam ter acesso. “O Clube da Escrita e sua dinâmica podem ser um modelo de referência para outros espaços, tanto que existem grupos criados a partir dele”, afirma a pesquisadora.

Autora Tatiana Lazzarotto no lançamento de seu livro, em 2021, sobre o processo de luto. Foto: Reprodução/ Diangela Menegazzi

Muitas participantes relataram buscar redescobrir a escrita após um período de afastamento ou ruptura, como términos de relacionamentos, demissões ou marcos temporais. Depois de um tempo frequentando, algumas dessas mulheres desenvolvem escritas longas, como livros. Esse foi o caso da própria pesquisadora. Esse aspecto também foi muito observado no período da pandemia, visto que, nesse momento, mulheres criaram o impulso de se autopublicar  em redes sociais, criaram e-books de publicações próprias, participaram de concursos e chamadas literárias, entre outras coisas. Tatiana hoje produz conteúdo e já tem um livro publicado: Quando as árvores morrem (Editora Claraboia, 2022).

A pesquisadora também explica que “A prática literária não tem uma renda relevante; os direitos autorais não sustentam as pessoas mensalmente”, então é importante pensar que as autoras desenvolvem geralmente outros trabalhos junto com a escrita. Além disso, o grande mercado editorial é um espaço que ainda privilegia alguns sujeitos. Ainda que a literatura não seja só a editora, esta é circundada pelos espaços de poder, como a visibilidade da imprensa e o reconhecimento pelos prêmios. Então, para escritoras, não basta apenas escrever para ter reconhecimento, mas alcançar diversas nomeações.

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