Ao comprovar relação entre autismo e dopamina, estudo dá base para futuros tratamentos inéditos

Tese de doutorado utilizou modelo de autismo em ratos para avaliar ligação entre a síndrome e um dos mais importantes neurotransmissores

De acordo com uma pesquisa do Centros de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) de 2023, uma em cada 36 crianças é autista. Imagem: Reprodução/VistaCreate

Após 80 anos desde que o transtorno do espectro autista (TEA) foi descrito pela primeira vez, ainda não há medicamentos considerados satisfatórios para o tratamento da síndrome. Em busca de abrir caminhos para novas abordagens terapêuticas, Luana Cezar elaborou sua tese de doutorado na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, intitulada Autismo e sistema dopaminérgico: análises de diferenças sexuais, aspectos moleculares e comportamentais.

O estudo do Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada é o que os cientistas chamam de “pesquisa básica” ou “pesquisa fundamental”, pois é focado no aperfeiçoamento da teoria científica. Luana explica que os resultados “fornecem um princípio translacional clínico no desenvolvimento de possíveis vias de tratamento para o transtorno em humanos”, inclusive farmacológicos, uma vez que permite que sejam mapeados prejuízos de algumas áreas cerebrais ainda não muito exploradas, como o sistema dopaminérgico.

A dopamina (DA) é um neurotransmissor essencial para neuromodulação, isto é, ela altera o funcionamento dos neurônios e melhora o tráfego nas vias neuronais por meio de estímulos localizados. A tese afirma que a DA altera respostas de neurônios alvo e desempenha papéis importantes como controle motor, memória, comportamento motivacional, recompensa, atenção, cognição, afeto e outros. A literatura aponta que, em pessoas autistas, há uma hipoativação — ou seja, ativação abaixo do normal — do sistema de recompensa, o que está ligado à menor liberação de dopamina e à redução da resposta neural no núcleo accumbens, uma estrutura cerebral que cumpre funções emocionais, motivacionais e psicomotoras.

Desenvolvimento do TEA na gestação

O TEA é uma condição relacionada a rupturas do cérebro em fase de desenvolvimento, o que afeta a percepção do indivíduo ao mundo e a socialização, de acordo com a pesquisa. Dentre as características das pessoas autistas estão a deficiência na comunicação verbal e não-verbal, a inflexibilidade cognitiva e a antissociabilidade. Luana explica que é preciso identificar essa tríade de sinais no paciente para confirmar o diagnóstico.

As causas do autismo podem estar relacionadas a fatores genéticos ou exposição a agentes teratogênicos durante a gravidez, por exemplo. Substâncias teratogênicas são aquelas capazes de gerar danos ao embrião ou ao feto durante a gravidez, como é o caso do ácido valpróico. Também conhecido como VPA, o medicamento é um anticonvulsivante usado desde a década de 1970 que, quando absorvido pelo corpo da mãe, causa no bebê anormalidades morfológicas e comportamentais semelhantes àquelas do autismo. O remédio é utilizado até hoje para o tratamento de epilepsia e transtorno bipolar, entre outras prevenções, mas é contraindicado para gestantes. 

Indução do autismo em cobaias

No início do estudo, Luana manteve ratas prenhas em ambiente controlado e injetou VPA nelas, a fim de induzir o fenótipo autista nos fetos. Após o nascimento da ninhada, para ativar o sistema dopaminérgico em seu potencial máximo, foi administrado o metilfenidato, um fármaco conhecido comercialmente como ritalina, nos filhotes. 

Em seguida, uma série de testes foi realizada para verificar se os ratos cujas mães foram expostas ao VPA apresentavam de fato características do TEA e como o sistema dopaminérgico reagiria. No primeiro, os filhotes são afastados de suas progenitoras e os sons vocalizados por eles são captados. A tendência é que o animal sem a síndrome produza muitos chamados, já aqueles com sinais do TEA chamarão menos pela mãe, devido à deficiência da comunicação verbal. 

A segunda avaliação observa a flexibilidade cognitiva. O teste consiste em colocar os roedores em em uma das extremidades de um labirinto, podendo ele optar em seguir para duas direções diferentes. A propensão natural é que o rato alterne entre caminhos ao longo de diferentes sessões. Quanto menor o número alternações entre os percursos, maior é a inflexibilidade cognitiva e o comportamento repetitivo do animal.

Outro teste avalia a socialização na prole de ratas expostas ao VPA. Um roedor que já estava em isolamento é colocado com outro que estava convivendo em grupo para analisar o chamado comportamento de brincar. Animais que interagem menos tendem a possuir as características autistas.

Parâmetros observados no teste de comportamento social dos roedores. Imagem: Reprodução

Na fase seguinte, foi realizada a eutanásia dos animais e a retirada dos cérebros para a realização de novas avaliações, desta vez sobre a expressão gênica dos receptores de dopamina e a concentração dessa substância em diferentes regiões do órgão dos roedores. 

Os resultados destacam o comprometimento dopaminérgico em regiões cerebrais específicas de ratos expostos ao VPA pré-natal e identificaram a DA como biomarcador. Isso significa que os experimentos com a dopamina podem indicar e mensurar a presença e a severidade da patologia. Além disso, foram apontadas melhoras comportamentais obtidas por meio do tratamento com metilfenidato nos roedores.

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