O ensino da leitura no Brasil oitocentista e a construção da identidade nacional

Doutora pela USP resgata a história de métodos do ensino de leitura no Império brasileiro e remonta uma educação marcada pela disputa de diferentes modelos educacionais

A revolução francesa tem forte impacto na educação brasileira (Reprodução/Unsplash)

Intitulada Métodos de ensino de leitura no Império brasileiro: António Feliciano de Castilho e Joseph Jacotot, a tese de Suzana Lopes de Albuquerque oferece um retrato do ensino da leitura no Brasil oitocentista, em um contexto em que esforços eram direcionados na construção de uma identidade nacional. Entre uma vasta quantidade de metodologias em curso na época, dois diferentes modelos ganham relevo no trabalho. Um propõe uma pedagogia ativa, defendido pelo português Castilho, e o outro de matriz analítica, representado por Jacotot, tem como característica o olhar para o contexto político e social. 

 As primeiras décadas dos anos 1800 iniciam uma reorganização política e econômica no cenário brasileiro. Recém independente, após quase 300 anos sob a tutela de Portugal, em 1824 o país instituiu a sua primeira constituição. Nela, a educação passa a ser responsabilidade do Estado, tornando-se  obrigatória, universal, laica e gratuita. Essa transição fez parte de um projeto nacional com uma finalidade. “Em virtude de se construir uma identidade para a formulação do Estado nacional brasileiro, no século 19, foram lançadas bases para a instrução pública”, expõe Albuquerque.  

                                                                                               

O Brasil torna-se independente em 1822 ( Reprodução/Domínio público)

São essas as circunstâncias em meio às quais, em 1855, o professor lusitano Castilho vem ao Brasil e se empenha na difusão de seu Método Castilho para o ensino rápido e aprazível do ler. Definido hoje como um método de origem sintética, ele sugeria uma alfabetização que se baseasse em uma espécie de construção em etapas: ele partia da oralização, para somente depois se dedicar à  organização escrita das letras, que formavam as sílabas e, essas, os períodos.

Com o objetivo de promover uma educação que não fosse um privilégio, mas efetivamente democrática, o professor pensa o ensinar a partir de uma visão que não se limita apenas a metodologia, mas que se volta também ao bem estar e a alegria do aluno durante o aprendizado. 

Entre as suas inovações, Albuquerque destaca a valorização da escuta no processo de alfabetização infantil. “Ele propõe a decomposição das palavras em sílabas através de palmas, além de levar cantos a sala de aula. [Ele] estava sempre contrastando com a escola metódica do seu tempo, a qual dizia ser a escola da vigilância, do terror, da punição”.                              

Resistências 

Castilho enfrenta resistências de vários grupos em relação a aplicação de seu método. Tanto em Portugal, quanto no Brasil, país no qual trava disputas metodológicas que implicaram até na interrupção de seu curso. 

 

Castilho escreve cartas sobre os obstáculos  enfrentados no Brasil  (Reprodução/ Wikisource)

Com um pano de fundo político e nacionalista, as recusas a seu método tinham origens diversas. Uma delas, partia de críticos aos princípios de sua pedagogia ativa e simultânea. Em sentido contrário ao de Castilho, que colocava o aluno como participante ativo do processo de aprendizagem e valorizava as trocas ocorridas dentro de sala de aula – tanto dos alunos entre si, quando destes com os professores -, seus opositores enxergavam a educação de forma tradicionalista, na qual o professor era o detentor do conhecimento e o aluno receptor individual e imóvel. 

Suzana dedica atenção a um grupo de opositores em especial, o que defendia o chamado Ensino Universal, desenvolvido pelo Francês Joseph Jacotot e adotado no Brasil pelo professor Costa Azevedo na província de Alagoas. Tal ensino se restringia a um âmbito mais filosófico e considerava essencial o exame das estruturas sociais. 

 

Os ideias de Jacotot revelam face republicana do francês (Reprodução/Twitter)

 Além de não se preocupar com o ponto de partida para a alfabetização, o filósofo francês  era um crítico contundente à busca de modelos de uma pedagogia inovadora, determinada por metodologias ágeis e eficazes, que não considerassem o contexto social e político no qual seriam aplicados. 

 “De certa forma, a crítica de Jacotot destinava-se a reformadores como Castilho, que estavam preocupados com a metodologia para tornar o ensino alegre, rápido e aprazível, sem tocar na estrutura desigual de uma escola segregadora”, assinala a doutora. 

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