Confecção de peças artesanais aprimora o ensino de ciências morfológicas

Estudantes de Medicina Veterinária desenvolveram peças de crochê de diferentes aparelhos anatômicos

Representação da placentação nas diferentes espécies. Imagem: acervo de Catia Massari

Escrito pela pós-doutora Catia Massari e pela professora Maria Angelica Miglino, ambas da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, o artigo Artesanato como ferramenta complementar ao ensino-aprendizagem de Ciências Morfológicas investiga uma nova possibilidade pedagógica. O estudo exploratório apresenta a confecção de peças como um recurso para estimular a percepção e a atenção de estudantes, complementando a formação nas áreas de Biologia Celular, Histologia, Embriologia e Anatomia, que constituem as Ciências Morfológicas.

“Meu intuito sempre foi ensinar forma e função das estruturas anatômicas e, como ponto de partida, escolhi uma técnica que já era conhecida por alguns estudantes, o crochê. Esta modalidade de artesanato utiliza materiais de baixo custo e, geralmente, é passada de pais e avós para os atuais alunos de faculdade, o que valoriza o contexto familiar em que eles estão inseridos”, conta Massari.

Produção dos amigurumis

Estudantes da disciplina de Morfofisiologia Animal que já tinham experiência com o crochê foram convidadas para moldar os amigurumis em seus domicílios. O termo é uma combinação das palavras japonesas “ami” e “migurumi”, que significam, respectivamente “trançado” e “boneco de pelúcia”. As peças, que foram feitas com lãs, linhas e fibra sintética para enchimento, eram constituídas por formas geométricas de esferas e cilindros e variavam entre 5 e 35 centímetros. As discentes se dividiram em quatro grupos e tiveram “autonomia para pesquisar e adaptar as receitas necessárias para elaboração dos modelos específicos”, explica o texto. Após o processo artesanal, elas apresentaram as estruturas para a turma, relacionando os modelos com os conteúdos das aulas teóricas e práticas.

Dois grupos escolheram o aparelho respiratório, um deles representou os pulmões humanos e o outro, os pulmões caninos. A terceira equipe elaborou um esquema de placentação comparada. Foram abordadas as placentas de suínos, ruminantes, carnívoros e primatas. Já o quarto grupo produziu o aparelho urogenital, que englobou um par de rins, ureteres, vesícula urinária e uretra.

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Vantagens do método

Nesse processo, foi destacado o aprendizado compartilhado das estudantes, que construíram as peças a partir de suas vivências pessoais e valorizaram as diferenças individuais de cada modelo crochetado. Para as autoras, essa experiência artesanal, especialmente após o período hiperconectado da pandemia, pode trazer um respiro, estimular a criatividade e fortalecer as capacidades de expressão e de compreensão científica. Além disso, “não podemos acreditar que o aluno seja um caderno em branco no início do semestre, mas sim, devemos encontrar uma maneira de vincular suas vivências pregressas à prática pedagógica na universidade”, complementa a pesquisadora.

Segundo o artigo, a Anatomia é uma disciplina que exige bastante da memória do discente, que precisa se apoiar muito na visualização, seja de cadáveres ou de imagens. Porém, devido às reduções de recursos nos laboratórios, o contato com as peças reais vem diminuindo e a busca por abordagens diferentes, crescendo. Nesse sentido, os modelos crochetados podem ser materiais didáticos mais acessíveis. “Para mim, o desenvolvimento de métodos de ensino inovadores é uma premissa geral para o processo pedagógico hoje em dia”, explica a médica veterinária. O estudo acredita que as alunas-artesãs poderão ter melhores desempenhos acadêmicos, um resultado do denominado “efeito aditivo”, que pode auxiliar na assimilação das informações. Contudo, Massari ressalta que o método é uma alternativa para complementar o ensino tradicional com as dissecações, não substituí-lo.

Embora a técnica seja promissora, é frisado que os docentes devem ser orientadores atentos, equilibrando a criatividade dos estudantes com “a responsabilidade e o rigor da instrução acadêmica”. O artigo, que é um recorte da pesquisa de pós-doutorado Métodos complementares de ensino-aprendizagem de Anatomia Comparativa, realizado no Departamento de Cirurgia da FMVZ da USP, adverte que são necessários novos estudos para se aprofundar nas limitações do material, para avaliar as potencialidades da metodologia e para verificar o desempenho acadêmico das alunas a longo prazo.

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