Uma nova disciplina, desenvolvida na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP) e disponibilizada pela Pró-Reitoria de Graduação, busca aprofundar o debate sobre saúde mental entre os estudantes e o corpo docente da universidade. Nomeada como “PRG0030 – Enfrentamento dos Desgastes da Vivência Universitária” a disciplina é resultado de uma pesquisa conduzida pelas professoras Carla Andrea Trapé e Célia Maria Sivalli Campos da EEUSP e pelo grupo de pesquisa Fortalecimento e Desgaste no Trabalho e na Vida: bases para intervenção em saúde coletiva.
É inegável que o acesso ao ensino superior ainda é um processo desgastante e limitado a poucas pessoas. Conquistar uma vaga em uma universidade pública é o sonho de muitos estudantes, entretanto, este que deveria ser um momento de alegria, muitas vezes, torna-se motivo de sofrimento. A pesquisa iniciou com uma síntese de evidências que buscou investigar as origens do sofrimento psicológico coletivo entre os universitários
Os artigos analisados trazem uma perspectiva mais individual sobre a questão, mas para a professora Trapé, a raíz do problema está na estruturação da universidade. “Nós percebemos que há uma cobrança muito grande para produzir ainda durante a graduação. Tem muita competição entre os estudantes. A USP reproduz uma sociedade que está organizada em cima da produtividade, do comprimento de metas, da competição e do individualismo. Nós não encontramos muitos trabalhos que fossem nessa direção.”
A partir desta constatação, em 2021, um diálogo deliberativo foi realizado com os estudantes e docentes da EEUSP, juntamente com o DCE e a Secretária Municipal de Saúde de São Paulo, para encontrar os fatores comuns de origem do sofrimento psíquico dentro da universidade. “Entendemos que seria necessário discutir políticas institucionais, não ações fragmentadas de serviços de atendimento psicológico”, afirma a professora.
Os resultados apontaram que a desigualdade social é base determinante do sofrimento psicológico. “A lei de cotas tornou as necessidades muito diferentes, temos alunos que demoram três horas para chegar, que não tiveram uma boa base no ensino médio e eles se sentem mais cobrados, deslocados. É quem depende da moradia estudantil, que não tem o tempo suficiente para estudar e que às vezes precisam ter outros empregos para poder dar conta de se sustentar”, conta Trapé.
A Trapé complementa: “Tudo isso produz uma pressão no sofrimento diferente de outras classes sociais que estão na universidade. Em outro estudo que eu estou coordenando, nós fizemos o diagnóstico de que estudantes com piores condições de trabalho e de vida tem duas vezes e meia mais chances de adoecer por sofrimento mental [em comparação a famílias não-vulneráveis economicamente]”.
Para a professora, o caminho para mudança depende de uma alteração na forma como a universidade funciona. Atualmente os estudantes de graduação são negligenciados em suas necessidades básicas, como permanência estudantil, além de sofrerem cobranças para produzir artigos e iniciações científicas, mesmo tendo uma carga horária elevada. “A maior parte dos docentes da USP se voltam muito mais para pós-graduação e para pesquisa. Não se consegue financiamento por meio da graduação, só por meio da pesquisa. A própria estrutura da Universidade obriga que os docentes foquem as suas ações para pós-graduação e para pesquisa”, diz.
Para ajudar a combater esse adoecimento coletivo, a EEUSP instituiu grupos de monitoria para os estudantes do primeiro ano, aprovou a criação da disciplina e está passando por uma reestruturação do currículo do curso. “O caminho é o fortalecimento por meio dos movimentos sociais dos estudantes, esses 30 alunos da disciplina depois vão para as suas unidades e vão levar essas discussões para lá”, complementa Trapé.
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