Dengue no Brasil: pesquisa traça diagnóstico sobre o combate precário à doença

Situação no país pouco mudou entre 2005 e 2019 e cenário para o futuro é incerto

A fêmea do mosquito Aedes aegypti (foto) é o vetor da dengue e transmite a doença por meio da picada. [Foto: Flickr]

Ao ligar o noticiário pela manhã, é comum que se vejam notícias sobre o aumento no número de casos de dengue em determinada região ou sobre a importância de tomar medidas profiláticas contra a dispersão do mosquito transmissor. Em 2023, o Ministério da Saúde aponta para quase 900 mil casos da doença no País entre janeiro e abril, sendo 200 mil somente em São Paulo. Mas o que leva a dengue a ser pauta tão frequente e há tanto tempo no Brasil? 

Uma questão nada recente

Há registros da presença da dengue no Brasil desde o século 19. A primeira epidemia documentada de forma clínica e laboratorial, por sua vez, denota dos anos 1980. Mesmo com anos de pesquisa e com um largo histórico de dados, a situação envolvendo a doença nunca foi totalmente compreendida. Foi pensando nisso que a sanitarista Gabriela Murizine, da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP-USP), resolveu fazer um estudo a partir de dados secundários para traçar um panorama da dengue no Brasil.

Para tanto, o objetivo de Gabriela foi não só se ater aos números — ela juntou dados de momentos específicos entre 2005 e 2019 e avaliou as ações da Atenção Básica de Saúde em anos mais recentes —, como também compreender fatores socioeconômicos, ambientais e de urbanização na dispersão da doença.

“Se uma pessoa não tem acesso ao saneamento básico, isso vai fazer com que a ocorrência de dengue seja maior. É importante olhar para além da doença, para os fatores relacionados a ela”. Gabriela Murizine (foto) vê os aspectos sociais como cruciais na compreensão da dengue no Brasil. [Foto: LinkedIn]

A dengue para além do vírus

Em suas pesquisas, ela percebeu que o comportamento da doença no Brasil se diversifica daquele ocorrente em outras partes do mundo em diferentes aspectos. Aqui, todas as regiões do País têm um quadro epidemiológico de ampla distribuição da doença e do vetor; na Europa, por exemplo, a incidência costuma se concentrar em pontos específicos. 

Outro ponto analisado é o combate à doença no país. Quando o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD) foi implementado, em 2002, a expectativa era reduzir o número de casos de dengue no Brasil em 50% no primeiro ano e em 25% nos seguintes. Isso não só não aconteceu, como os números seguiram altos e dispersos. “O mais chocante foi perceber que não houve nenhuma mudança no Brasil nesses anos que a gente analisou (2005 a 2019). O Brasil teve uma tendência estacionária e não teve nenhuma diminuição”, explica a pesquisadora

Os resultados da pesquisa não a surpreendem. “Já esperava [os resultados negativos] exatamente por entender que a dengue, ao longo desse tempo, continua sendo uma pauta de saúde pública aqui, no Brasil, apesar de todos os esforços. A dengue é uma doença muito complexa e que envolve muitos fatores”.

Gabriela alerta também para a razão por trás dos números visualmente melhores, como no caso da região Norte, que teve em Roraima, Amapá e Rondônia tendências decrescentes. Segundo a sanitarista, isso não significa necessariamente um avanço das políticas públicas: “Essa melhoria não necessariamente é porque houve algum planejamento. Pode ser simplesmente porque aumentou o número de pessoas suscetíveis e imunes à doença dadas as epidemias anteriores”. Ela lembra que, no passado, a região Norte era a que tinha mais casos de dengue. 

Problema complexo

No que diz respeito à notificação de casos, que é baixa em todo o mundo, as perspectivas não são animadoras para os próximos anos, pois os anos de pandemia de Covid-19 tiveram subnotificação das demais doenças. A continuidade do estudo de Gabriela a partir de dados atuais, aliada a um Censo desatualizado, por exemplo, não seria possível.

Indagada pela AUN a respeito de uma eventual banalização da doença por parte das pessoas e dos órgãos competentes, a sanitarista entende que a predominância de casos brandos da doença e a normalização de sua presença no cotidiano são um problema. Ela reitera, porém, que não se trata apenas de incompetência, mas de ações que não foram efetivas e de uma doença que é biologicamente complexa — a dengue possui quatro sorotipos de vírus diferentes e a interação entre eles ainda não foi totalmente compreendida.   

*Imagem de capa: Freepik

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