Aprovação da revisão do Plano Diretor reforça estímulo à iniciativa privada

Texto foi aprovado com manifestações contrárias da população, já que não prioriza produção de habitações de interesse social para solucionar questões de moradia em São Paulo

O Plano Diretor Estratégico orienta o crescimento e o desenvolvimento urbano de um município. Créditos: Marcos Santos/USP Imagens

O boom da produção imobiliária vivido em São Paulo deve se intensificar após a aprovação da revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade pela Câmara de Vereadores, em segunda votação realizada na segunda-feira, 26 de junho. O texto, que agora segue para sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB), tem, entre suas principais mudanças em relação ao PDE de 2014, a ampliação dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, que são as áreas em torno de corredores de ônibus e estações de metrô, trem e monotrilho.

Na revisão, os eixos, que abrangiam faixas de 150 metros de cada lado de corredores de ônibus e um raio de 600 metros em torno de estações de trem e metrô, foram expandidos para 400 metros e 700 metros, respectivamente, o que deve incentivar a construção de prédios maiores nas regiões próximas ao transporte público. 

O que, à primeira vista, parece uma proposta para promover o adensamento da cidade e melhorar as questões habitacionais e de mobilidade do município, não ocorre de fato na prática. Isso porque as habitações construídas nessas regiões não são necessariamente compradas pela população alvo de uma política de habitação de interesse social. Por isso, o texto foi aprovado pelos vereadores diante de manifestações de políticos da oposição e da própria população em audiências públicas.

“Essa lógica de achar que é por meio de estímulos à iniciativa privada que a gente vai resolver o problema da habitação está gerando uma contradição estrutural que parece que será extremada pela revisão do Plano Diretor”, explica Maria Beatriz Rufino, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos (LabHab).

Essa tendência teve início na década de 1990, com o avanço das ideias neoliberais no país, e tomou força depois de 2008, com o programa Minha Casa Minha Vida, conferindo um protagonismo sem precedentes para as empresas de incorporação e do setor imobiliário, cuja produção começou a ser parte ou ser contabilizada como uma política habitacional. Esse processo é estudado no artigo As grandes incorporadoras, o segmento econômico e a desconstrução da promoção pública habitacional, produzido pela professora em conjunto com a doutoranda Isabela Borges e publicado em 2022.

O resultado dessa tendência, aliada à conjuntura econômica da década de 2010, foi uma profusão da construção de microapartamentos em áreas mais valorizadas, que pressionam a classe média a morar em habitações cada vez menores a custos elevados. Ao mesmo tempo, o mercado se mostrou reticente em atuar na construção de habitações de interesse social para grupos vulneráveis, com famílias com renda inferior a três salários mínimos, que continuaram nas regiões periféricas.

“Esse é um paradoxo que a prefeitura tem tentado enfrentar, mas com muita dificuldade, porque ela parametriza o que ela considera habitação de interesse social (HIS) por definições de renda, mas sobretudo também por definições do porte, do número de banheiros, vagas de garagem”, explica a professora. “Com relação à renda, a prefeitura não tem mecanismos para fiscalizar quem compra essa habitação. Então, muito do que se discute hoje é de como tem tido um aproveitamento desse estímulo para HIS produzindo um produto que não se sabe necessariamente se ele está sendo destinado para uma habitação de interesse social”.

Para a professora, a revisão do Plano Diretor aprovada estimula essa contradição, abrindo novas frentes para que esses mecanismos de intensificação da produção imobiliária sejam feitos. E, no fundo, tudo isso feito com base em cálculo de maior rentabilidade, apesar de, em todo o processo, a sociedade ter indicado que queria seguir em outra direção.

“Enquanto a gente não sentar e priorizar não a ideia de estímulo do mercado, mas o desenho de uma política, o que precisa ser produzido, e pensando em fortalecimento institucional, estamos, de certa forma, enxugando gelo. Não é algo fácil de fazer, mas me parece que a crise que estamos chegando nos mostra que não podemos mais ficar incorrendo nos mesmos erros”. 

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