Por dentro das migrações dos países do Triângulo Norte da América Central

Imigrantes de Honduras, Guatemala e El Salvador, localizados no TNC, migram para os Estados Unidos em condições precárias e em um contexto pandêmico

Caravana de migrantes rumo aos Estados Unidos caminha no dia 16 de janeiro de 2021. (Foto: SANDRA SEBASTIAN AP).

O fluxo migratório da América Central para os Estados Unidos não é um fenômeno novo no cenário global, mas um cenário de barbárie e de negligência.  Os imigrantes que saem dos seus países, deixam suas culturas, línguas e família para trás, em busca de asilo. Sonho esse que, na maioria das vezes, se depara com a xenofobia e com políticas migratórias que os deixam em situações de extrema pobreza, subordinação e exploração sexual.  

O início do governo do novo presidente dos EUA, o democrata Joe Biden, em janeiro, foi marcado por migrações vindas de países como Honduras, Guatemala e El Salvador, localizados na região do Triângulo Norte da América Central (TNC). Segundo a BBC News, em 16 de janeiro de 2021, 3.500 hondurenhos deixaram seu país natal e, ao decorrer das horas, a caravana de migrantes aumentou para 9000 pessoas, entre salvadorenhos e guatemaltecos.  

A doutoranda do Programa de Geografia Humana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) e imigrante colombiana, Ginneth Pulido Gómez, explica que a migração na América Central é, como um todo, uma constante com mudanças, mas que se pode chegar à conclusão que a maioria dos migrantes são do TNC.Isso acontece porque tais explosões migratórias são oriundas de desigualdades e dinâmicas de exclusão dos países, inclusive dos próprios vizinhos, enfatiza a doutoranda.  

Tais desigualdades são em grande parte frutos das intervenções do governo norte-americano; das guerras de guerrilhas durante o século XX; dos furacões Eta e Iota (novembro de 2020); das expulsões e das políticas migratórias dos EUA, que promoveram a criação de gangues de ruas, às chamadas “Maras”:

“As pessoas que fazem parte dessas gangues são deportadas para os seus países de origem, onde se deparam com o mesmo cenário de muita pobreza, falta de emprego e educação. A chegada dessas gangues, nesses países, propicia muita violência e tráfico de pessoas, inclusive violência sexual. Então é uma bola de neve que cresce que se alimenta da pobreza, da falta de estrutura social e de um estado fragilizado” salienta Pulido Gomez. A doutoranda ainda faz questão de lembrar o golpe no Estado de Honduras, em 2009, por parte do exército do próprio país, que prendeu o presidente Manuel Zelaya e causou a fragilização dos direitos da população.   

Violência urbana, sistema social, fragilização de direitos, corrupção, crime organizado e a falta de capacidade desses países em assegurar direitos básicos à população, como saúde, segurança e alimentação, faz da região a mais violenta do mundo fora de uma zona de conflito, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

A situação desses países se torna mais crítica quando o recorte dos imigrantes é feito por gênero e idade. Segundo portais de notícias, como El País, as pessoas que migram do Triângulo Norte da América Central são em sua maioria mulheres e crianças desacompanhadas, que devem ser reconhecidas como refugiados forçados ao invés de imigrantes econômicos, perfil comum na fronteira entre México e Estados Unidos.   

Ginneth Pulido Gómez, que além de estudiosa é mãe e imigrante, analisa a situação do seu ponto de vista:  “Sou mulher e tenho um filho. Vim para o Brasil com ele. Mesmo eu sendo uma imigrante privilegiada porque estou fazendo doutorado, faço parte dessa estatística de mulheres que saem com suas crianças dos seus países. El Salvador, Guatemala e Honduras são os países que mais matam mulheres por habitantes ou seja que mais cometem feminicídios  por 100 mil habitantes”. Como consequência de sociedades patriarcais e violentas como essas, e com a escassez de estudos sobre o recorte de gênero nas migrações, em um estado de violência, toda brutalidade recai em cima desses corpos.  

Mesmo durante a pandemia de covid-19, que já matou 2.675.521 pessoas em todo mundo, a imigração oriunda desses países continua acontecendo, mesmo que em proporções menores, de forma clandestina ou não. A pergunta é: como fica a saúde, quarentena e isolamento social desses imigrantes? A doutoranda Pulido Gómez diz que além da falta de acesso à saúde nos países de destino, os imigrantes não frequentam postos de saúde por medo da deportação.  

“Aliás, a propagação do vírus vai aumentar por meio das aglomerações que acontecem entre essas migrações. O mais grave é que os imigrantes e refugiados não vão necessariamente entrar nos planos de saúde, não apenas por não estarem regularizados, mas porque os Estados não contemplam a existência desse grupo dentro dos seus territórios”, comenta Pulido Gómez. Em países como os Estados Unidos, cujo sistema de saúde é privado, dificilmente o migrante contará com uma política de estado voltado para sua saúde. 

A doutoranda ainda reflete acerca das informações dadas pelos meios de comunicação: “Escutamos e lemos na mídia ‘tantos brasileiros morreram pela covid’, eu como imigrante, sei que não são apenas brasileiros. Me pergunto quantas pessoas são conscientes disso, que tem venezuelanos, bolivianos que moram no centro de São Paulo em condições precárias, haitianos, chineses e colombianos em situações complicadas porque não tem como fazer uma quarentena, e que muitas vezes são vítimas fatais dessa doença”. A mesma situação se repete com os guatemaltecos, salvadorenhos e hondurenhos que saem das suas casas à procura de sobrevivência, sendo estrangeiros no seu próprio país e produto da exclusão da globalização. 

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