Mudanças climáticas em recifes de corais são recorrentemente estudados por cientistas da área oceanográfica. Dada a importância do assunto, a pesquisadora do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, Marina Botana, decidiu estudar a fundo esse tema que sempre a interessou. Ao aproveitar a relação existente entre corais e microalgas, ela observou que enquanto o primeiro serve de abrigo, o último transfere para o coral tudo aquilo que ele produz em seus processos metabólicos, como açúcares e lipídios.
“Eles vivem em simbiose, ou seja, uma relação em que um depende exclusivamente do outro para poder sobreviver”, conta. Feita análise, ela viu que várias espécies respondem de formas diferentes às variações de condições, como pH (potencial hidrogeniônico – escala que mede o grau de acidez de algo) e temperatura. Assim, decidiu-se por trabalhar com três agrupamentos de microalgas (chamados de clados e que podem incluir um ancestral comum) conhecidas como zooxantelas e ver como eles respondiam a essas alterações.
Em parceria com Sayuri Miyamoto, do Instituto de Química (IQ) da USP, Botana pediu auxílio para análise dos lipídios presentes nas microalgas e em membranas de várias organelas. Como alguns lipídios analisados são biomarcadores dependendo de concentrações no organismo, é possível entender o que está acontecendo, por exemplo, nas estruturas que ficam dentro de células – como a mitocôndria e cloroplastos –, desvendando os mecanismos que estão por trás da resposta fisiológica dos organismos.
O experimento
Observado que alguns lipídios são biomarcadores, a cientista partiu para a prática. “Fiz um experimento de variação de temperatura, aquecimento, choque térmico (elevando em oito graus as condições normais), para ver como seriam as características visíveis de lipídios, ou seja, a sua resposta fenotípica em relação ao controle dessas microalgas vivendo em ótimas condições de temperatura, salinidade e disponibilidade de nutrientes”, explica Marina.
Feito isso, constatou-se que os efeitos e mecanismos de adaptação das microalgas estudadas eram diferentes, apesar da igualdade de condições em ambos testes. “No final, verificamos o aumento da temperatura levando ao estresse oxidativo e ao estresse da bioenergética. Pois, na microalga, o que garante a produção de ATP (adenosina trifosfato; energia) é o cloroplasto, organela presente em células vegetais”, aponta.
Isso foi causado porque os lipídios biomarcadores de cloroplastos vistos nas espécies não sobreviveram e tiveram essa organela muito danificada. Com significativa redução na quantidade de lipídios e com degradação na sua composição, a membrana foi estruturalmente remodelada.
Já as espécies que sobreviveram, mesmo sofrendo com o choque térmico, conseguiram garantir uma condição mínima de adaptação através de estratégias metabólicas.
Foram usados três tipos de algas. Uma delas presente no atlântico inteiro, sendo muito comum no Caribe e na costa brasileira chamada A1; outra predominante quase que exclusivamente em regiões caribenhas, denominada B1; e a mais comum em todo o mundo, nomeada de C1. As três amostras de microalgas que Marina Botana trabalhou, foram enviadas a pedido e cedidas por uma professora de Nova York.
Sua armazenagem se deu no Banco de Microorganismos Marinhos Aidar & Kutner (BMA&K) do IO-USP. “Eu cheguei a ter amostras de 4 mil lipídios dessas microalgas, mas fiz o recorte dos 300 mais abundantes”, declara a pesquisadora.
As implicações no branqueamento de corais
Dados coletados apontaram que o lipídio mais abundante nas microalgas é o ômega 3, na sua forma DHA (22 carbonos e seis insaturações). “Quanto mais desse lipídio há na membrana, mais fluida ela será, otimizando o transporte de elétrons e garantindo a produção de energia”, observou Marina.
Esse mecanismo observado acabou sendo válido não só para as microalgas, mas para qualquer outra análise do tipo com as mesmas características e condições. De acordo com a cientista, ele comprova que a bioenergética da célula está diretamente relacionada à composição de lipídio da membrana.
“Fora isso, a principal novidade é que foi possível identificar vários lipídios de membrana oxidados. Porque o que compromete a bioenergética da célula é o estresse oxidativo, ou seja, produção de radicais livres, principalmente nas espécies reativas de oxigênio” afirma Botana. Para embasar a descoberta, vários desses lipídios marcadores de membranas de cloroplastos foram oxidados após o experimento de choque térmico. “Dessa forma tivemos uma prova analítica de que o que aconteceu com as espécies que não resistiram foi uma alteração causada por estresse oxidativo, que inviabilizou a membrana.”
O controle da bioenergética celular controlado pela composição de lipídios já foi mostrado em outros trabalhos, como os feitos pelo grupo do professor Ray Valentine, da Universidade de Davis (EUA) e por Marcos Yoshinaga, pós doutorando da professora Sayuri. Porém, a identificação e grande abundância de compostos oxidados comprovando analiticamente o stress oxidativo não foi mostrado em nenhum outro trabalho e vai de acordo com a teoria do branqueamento de coral causado pelo estresse oxidativo.
Segundo Marina Botana, a principal teoria do branqueamento de corais é aquela causada pelo estresse oxidativo, dado pelo aumento da temperatura e variação das condições abióticas da água do mar, isto é, das influências que os seres vivos podem receber nesse ecossistema. Com o aquecimento global, a principal ameaça se tornou a temperatura.
“Pois quando se aumenta a temperatura, se aumenta ainda mais a fluidez da membrana da organela ou da célula, permitindo assim o escape dos elétrons gerando uma quantidade maior de radicais livres, principalmente as espécies reativas de oxigênio”, argumenta.
E isso aconteceu em todas as amostras feitas pela pesquisadora, mas com nível diferente, provavelmente, porque algumas espécies possuem uma “maquinaria” enzimática, ou seja, acelerações de suas reações bioquímicas mais eficiente. “Nessas espécies, os radicais livres impediram a oxidação dos lipídios de membrana. Enquanto que as espécies que não foram tolerantes ao aumento da temperatura, não conseguiram fazer isso”, analisou a cientista.
“Comprovamos que o estresse oxidativo levou ao stress bioenergético nos diferentes clados de zooxantela em culturas no estado de vida livre, ainda falta comprovar se o mecanismo é o mesmo quando estão em simbiose com os corais e, assim, comprovar a teoria do branqueamento de coral causado por stress oxidativo ”, finaliza Marina Botana.
A dissertação do mestrado da pesquisadora, “Resposta ao choque térmico dos lipídios de membrana de Symbiodinium: implicações para o branqueamento de coral”, foi defendida em 25 de abril de 2019, e contou com orientação do professor Paulo Yukio Gomes Sumida, do IO-USP.
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