Cientistas brasileiros redescobrem macaco tido como extinto

Registrado pela última vez em 1956, o Pithecia vanzolinii foi considerado redescoberto, devido à quantidade de tempo sem ser avistado na natureza

Espécime abatido no Acre, por moradores da Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade (Imagem: Reprodução)

Após 61 anos, foi redescoberto um primata chamado parauacu de Vanzolini (Pithecia vanzolinii). O animal era conhecido apenas através das peles em museus, e a descrição formal da espécie foi feita em 1987 por Philip Hershkovitz, que nunca viu um espécime vivo. Este reencontro é significativo para a primatologia já que, de acordo com o mastozoólogo peruano José Serrano-Villavicencio, há um consenso de que espécies sem registro por mais de 50 anos são consideradas extintas.

André Vales Nunes, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), estava estudando a atividade de caça na Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade, no Acre, quando um morador da região abateu um macaco. De acordo com ele, aqueles animais eram muito comuns na vila que habitava, “eles disseram que caçam uns 30 por ano”, afirma José. O pesquisador sul-mato-grossense mandou a pele e o crânio do espécime para ser identificado no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), e José indicou que era o primata desaparecido. Juntos, publicaram o artigo “Rediscovery of Vanzolini’s Bald-Faced Saki, Pithecia vanzolinii Hershkovitz, (Primates, Pitheciidae): 1rst record since 1956” (“Redescoberta do Parauacu de Vanzolini, Pithecia vanzolinii Hershkovitz, (Primatas Pitheciidae): 1º registro desde 1956”).

O peruano indica que a ausência de registros e a abundância de Pithecia vanzolinii não são contraditórias. “O problema é que a distribuição desse animal passa por algumas áreas do Brasil onde não ocorrem muitas coletas, então há buracos de informação grandes”, diz. Mesmo nas coleções do Goeldi, que José afirma serem as mais completas sobre Amazônia brasileira, não há informações sobre algumas regiões. José afirma que “a legislação atual não permite mais coletar, principalmente primatas”, e que mesmo pesquisadores com permissão de coleta não podem retirar animais ameaçados da natureza. Até na publicação do registro teve problemas: “Me ligaram do IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] para perguntar se eu tinha permissão de coleta, mesmo tendo sido um registro ocasional”.

“A coleta científica não representa um impacto tão grande quanto a caça. As pessoas não entendem que os primatas são caçados e comidos”, afirma Serrano-Villavicencio (Imagem: Reprodução)

Deita, aí, uma questão política. A Convenção de Tráfico Internacional de Espécies Ameaçadas (CITES) divide animais em três grupos com graus diferentes de perigo, sendo que os mais ameaçados estão na lista número um. “Analisei essas listas para fazer um artigo”, conta José. “Fui olhar a dois e a três também, e descobri que todos os primatas que não estavam na um, estavam nas outras. Mesmo sem conhecer o estatuto de conservação dessas espécies uma por uma, já as consideram ameaçadas”. Ele afirma que, já que todas as espécies estão fora de limites, as coletas científicas não são mais possíveis. Além disso, não são bem vistas pelo público em geral, embora não representem um impacto tão grande quanto a caça. Segundo o pesquisador, as coleções de mamíferos se mantêm do mesmo jeito faz 20 anos.

A proteção de animais é uma questão relevante, que tem ocupado um espaço progressivamente maior no radar científico. Uma das consequências desse movimento é a manifestação da ecologia em outros campos da zoologia, afirma José. Antes da descoberta de seu colega André, o peruano já pretendia fazer uma revisão taxonômica do gênero Pithecia para seu doutorado. Sua motivação foi a revisão feita há quatro anos pela cientista estadunidense Laura Marsh, que elevou a espécies todas as subespécies do complexo Pithecia irrorata de Hershkovitz. Para ela, todos os irrorata constituem quatro espécies diferentes: irrorata, rylandsi, mittermeieri, pissinattii, que, somadas à vanzolinii, resultam em cinco espécies de Pithecia. “Achei que o número estava muito exagerado, e comecei a pesquisar.”

De acordo com o pesquisador José, o problema com a revisão de Marsh é que as espécies são muito parecidas. “Não têm distinções morfológicas ou limites geográficos claros”, afirma. “O irrorata é preto e tem um pouquinho de branco na pelagem, enquanto o mittermeieri é mais preto, mas ainda tem um pouco de branco”. Ele aponta que Marsh já trabalhou muito com esses animais na ecologia, mas que a revisão deve ser exclusivamente taxonômica. “Grande parte dos problemas é que ela se baseou em muitas fotos da internet. Vários são de zoológicos, de primatas cujas localidades de onde foram recolhidas são desconhecidas”. Além disso, Marsh não indicou qual é o número exato, por espécie, de animais analisados. José pretende propor a invalidação de três das cinco espécies apontadas pela pesquisadora.

Com tantas espécies novas, não há dados concretos sobre elas, desde grau de ameaça até número de populações. “É o problema de reconhecer espécies que talvez não sejam espécies realmente”, diz. O parauacu de Vanzolini, nomeado por Hershkovitz em homenagem ao zoologista da USP e sambista Paulo Emilio Vanzolini, é classificado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) como “dados insuficientes”. A classificação de novas espécies facilita a proteção dos animais, o que revela a faceta ecológica da revisão taxonômica de Marsh.

O conflito político entre pesquisa e preservação, por enquanto, não possui desfecho. Laura Marsh dá continuidade ao seu trabalho Floresta Amazônica, enquanto José Serrano-Villavicencio trabalha na análise das novas espécies do gênero Pithecia. Mesmo assim, não deixa de ser significativa a redescoberta de um primata considerado extinto, que reafirma a vastidão da biodiversidade do Brasil.

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