Presidência de Joe Biden pode mudar política externa do atual governo Brasileiro?

Para professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, mudança é pouco provável

Posse de Joe Biden. Créditos: Carlos M. Vazquez/Fotos Públicas

Desde as eleições do atual governo em 2018, a política externa brasileira vem passando por uma série de conturbadas relações, desmantelando uma longa herança da tradicional diplomacia multilateral brasileira no mundo. Tal fragilização se deve principalmente ao alinhamento predominantemente ideológico do governo brasileiro com a administração Donald Trump, cuja relação de caráter unilateral foi estabelecida sobre uma suposta troca de favores do governo americano para com o brasileiro.

A declaração pública de apoio a Donald Trump do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, apesar de já esperada, provocou certo desconforto diplomático, ao representar uma espécie de quebra de protocolo nas relações entre um governante e outro país. Muito de tal desgaste se deve a forma como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, conduz o país no palco das relações internacionais, colecionando um incidente diplomático após o outro.

O cenário pandêmico do novo coronavírus, além de toda a recente onda de polarização política dos últimos anos, fizeram com que as eleições americanas de 2020 se tornassem uma das mais importantes, aguardadas e também concorridas disputas de todo o século XXI. Com a vitória do democrata Joe Biden, mudanças a respeito da forma como os EUA agirão no cenário internacional são esperadas, o que levanta um questionamento há muito já proposto pelos analistas de política internacional: Quais as mudanças da política externa brasileira diante a derrota de Donald Trump na corrida presidencial?

Para o doutor em Ciência Política e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, Pedro Feliú Ribeiro, entretanto, partir da premissa de que irá ocorrer alguma mudança significativa na política externa brasileira é equivocada. “Não vejo mudança na política externa brasileira em função da eleição do Biden, pois ela continua pautada na ideologia mista de ocidentalismo com antiglobalismo, além de manter o objetivo de desenvolvimento econômico e a estratégia de alinhamento automático com os EUA”.

O professor explica que na literatura de análise de política externa, pode-se identificar e examinar uma mudança através de quatro níveis. “Na política externa, o nível mais brando é na intensidade. Nesse sentido, os EUA representam o principal parceiro brasileiro internacionalmente, visto que o país queimou pontes com outras potências. Já o segundo ponto, que é o mais importante nessa análise, é a estratégia para o país se inserir internacionalmente. E a estratégia do presidente Bolsonaro é o alinhamento automático aos EUA, estratégia essa já largamente utilizada na história da política externa brasileira. Essa estratégia, bem como sua intensidade, não muda. Já os outros dois níveis de mudança que são mais significativos são o objetivo e a orientação. O objetivo, que no governo brasileiro parte desde 1930, é o desenvolvimento econômico, e que só é possível pela aliança com os EUA. Já na orientação, tem-se a perspectiva ocidental do Brasil, além da defesa dos valores do chamado globalismo, pelo atual ministro Ernesto Araújo”.

“Para não marcar contrariamente uma posição ideológica populista de direita que este governo desenvolveu, acho que a alternativa, no âmbito internacional, vai ser a abstenção”, avalia Ribeiro.

Apesar disso, o professor acredita que, caso ocorra alguma mudança, esta deverá vir de uma adequação da agenda doméstica brasileira em função da americana. “A mudança da política doméstica seria em razão das influências sistêmicas e da pressão norte-americana. Esta mudança seria recauchutar o alinhamento automático, já que ela estava em uma agenda populista de direita, e agora teria que suavizar essa agenda para manter a estratégia, intensidade, objetivo e orientação dessa política externa”.

Para Ribeiro, caso o governo queira sinalizar uma mudança de postura, diante da agenda ambiental do governo Biden, ela poderá ser representada não necessariamente pela mudança do ministro Ernesto Araújo, mas pela do ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles. ”A expectativa é uma mudança radical da agenda ambiental, com retomada da fiscalização e a apresentação de resultados no combate ao desmatamento”.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*