Diálogo é a saída no conflito Hong Kong e China 

Com constantes protestos desde 1977 e abstenção internacional por motivos econômicos e políticos, a melhor maneira, segundo especialista da USP, é estabelecer comunicação entre as regiões

Manifestações para a autonomia de Hong Kong tomam as ruas (Imagem: Reprodução/Freepik)

Em 1997, Hong Kong tornou-se um território sob soberania chinesa. Em um acordo entre governo de Pequim e a ex-colônia britânica, foi estabelecido que, por 50 anos, o país iria permanecer sob o controle da China com as liberdades civis e o Estado de Direito adotados durante o século e meio de colonização. No entanto, sem as concessões de Pequim, Hong Kong nunca desfrutou da democracia ou liberdade de imprensa e de expressão e um Judiciário independente. 

“É um compromisso internacional, e a China está cumprindo com ele. Mas como existe o acordo e ele já está chegando a quase a metade, creio que o governo de Pequim vai tentar ampliar sua influência sobre a província”, comenta Alexandre Uehara, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais, da USP, e especialista em Ásia. Ele esclarece que a China provém de um poder absoluto sobre Hong Kong, o que lhe dá o aval para fazer o que for de seu interesse, mas há a exceção para o fato de que existe o acordo em que o governo de Pequim que dá a Hong Kong certa autonomia. 

Direitos humanos

O estabelecimento internacional de um tratado de 50 anos refere-se a um processo de transição. Durante esse período, Hong Kong teria autonomia em relação ao governo de Pequim que, de fato, acontece como um sistema jurídico e econômico próprios, sendo denominada uma Região Administrativa Especial (RAE) – assim como Macau.

Pequim utiliza-se de abusos políticos e força que transgridem os direitos humanos como maneira de se autodeclarar soberana na região, explica o especialista. Enquanto que o desconforto de Hong Kong é em relação a perder liberdade, tanto política quanto econômica, caso Pequim assuma a gestão por completo. Segundo Uehara, a violência gera uma imagem negativa da China, vista historicamente como pouco democrática. 

O governo de Pequim possui influência em outras regiões asiáticas, como Tibete e Xinjiang, além de Macau. Reivindicações por maior autonomia e conflitos por diferenças culturais são frequentes. Para Uehara, “se a China permite uma maior autonomia ou um enfraquecimento do controle do governo de Pequim sobre as regiões, isso significaria uma perda em torno de 40% ou 50% do território chinês”. 

Para persistir em uma coesão nacional, segundo Uehara, “se a China faz concessões a Hong Kong, essas outras regiões se sentiriam estimuladas a começarem a se manifestar e pressionar por autonomia. Pequim não vai conceder e abrir exceções para a população de Hong Kong por maior independência do que ela já tem”.

Hong Kong quer liberdade e democracia, e o abuso de autoridades e quebra de direitos humanos não vão fazer a população desistir, comenta o especialista. Para Pequim, não é de seu interesse quebrar um acordo estabelecido, pois prejudicaria sua imagem de ascensão internacional. Mas “a China não consegue assumir a posição dura como ela gostaria, e a população de Hong Kong não vai abrir mão da situação. Isso pode fazer com a China se extrema de um lado”.

Protestos organizados em Hong Kong (Imagem: Reprodução)

ONU

Hong Kong clama pelo apoio de outras potências. Nos protestos, já foram levantadas bandeiras dos Estados Unidos pedindo intervenção internacional. Mas o aspecto econômico fala mais alto. “A China está entre as cinco principais parceiras internacionais e é a principal em importação ou em exportação. Em um momento em que a economia mundial não está muito bem, criar um atrito com a China não é de interesse de ninguém”. Além da dependência financeira, outros países sofrem com movimentos clamando autonomia, como Espanha, na região da Catalunha, e Rússia, no conflito com a Ucrânia. Levar apoio iria incitar mais suas regiões a se revoltarem. 

A ONU foi criada em 1945 como forma de mediar conflitos e prevenir guerras. Ela tem o objetivo de promover a segurança internacional e progresso, como servir em respeito aos direitos humanos, em uma imparcialidade internacional. Mas a organização permaneceu quieta. Para Uehara, “a ONU deveria se posicionar sim, e acho que deveria ter feito algumas declarações em relação a isso. Mas o que pesa nesse momento é o enfraquecimento das instituições multilaterais.”

Por tal enfraquecimento e ascensão do bilateralismo, órgãos multilaterais são desconsideradas. Além disso, a China faz parte do Conselho de Segurança da ONU, fórum máximo de decisões globais, o que faz com que ela tenha poder de veto sobre qualquer decisão. 

“Se alguma discussão fosse levado ao Conselho de Segurança para a ONU tomar alguma decisão, por exemplo, de envio de tropa de ajuda à população de Hong Kong para proteger contra possível uso de força da China, o país tem o poder de veto, então isso dificulta uma ação mais incisiva por parte da ONU”, e complementa: “A ONU não tem a mesma força do passado, e isso dificulta um papel mais forte na questão de Hong Kong.” 

Consenso?

Em um ciclo de protestos e descontentamento, segundo o especialista, o mais difícil é aumentar a participação democrática de Hong Kong, que representa a maior reivindicação.  “Essa autonomia total que Hong Kong quer, acho impraticável que a China aceite. Porém, creio que a China pode dar mais tempo para esse processo de transição, sem tentar aumentar muito a sua influência sobre a província e, com isso, creio que diminuiria as tensões”, diz Uehara.

Uehara considera o diálogo como a melhor maneira para uma negociação nesse processo de transição que ainda se estende. “A transição significa não apenas que o governo ou a administração e gestão de Hong Kong passem para a China, mas deve acontecer uma conversa de como esse período deve acontecer”. Ele acredita ser possível promover uma transição mais tranquila nesse sentido. 

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