A pandemia na África

Os impactos sociais, econômicos e ambientais da pandemia do coronavírus no continente mãe

Créditos: AFP

Por Ana Luiza A. Vaz Cardozo, Anderson Marques Lima, André Alves de Amorim, Arthur Gabriel Macedo Nascimento, Caio César Pereira dos Santos e Suzana Correa Petropouleas

A pandemia da covid-19 paralisa o mundo há mais de um ano. Até o dia 17 de março, mais de 120 milhões de pessoas foram contaminadas pelo SARS-CoV-2 ao redor do planeta, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Além disso, mais de 2,5 milhões de pessoas morreram em decorrência do vírus. Por conta desse colapso da saúde pública mundial, houve a expectativa de que o continente africano sofreria com altos números de contágio e falecimentos. Entretanto, em comparação a índices de outras regiões, a África conseguiu controlar a disseminação do novo coronavírus.

A princípio, houve grande preocupação em relação a como os países do continente conseguiriam administrar a pandemia. A África apresenta baixos índices de desenvolvimento humano e problemas na infraestrutura sanitária. Por isso, Matshidiso Moeti, diretora da OMS na região, chegou a prever que a África poderia se tornar o próximo epicentro de contágio.

Contudo, os números de contaminação indicam que o continente sofreu menos do que outras localidades. De acordo com o Centro Africano de Prevenção e Controle de Doenças (Africa CDC), a região teve aproximadamente 4 milhões de casos e 108 mil mortes. Em comparação, o Brasil sozinho supera esses números com folga, sofrendo com 11,5 milhões de contaminações e 279 mil óbitos.

Ações de povos tradicionais têm barrado crescimento da doença na região

Os povos e comunidades tradicionais em todo o mundo são mais vulneráveis aos perigos de doenças infecciosas. No continente africano, o sistema de saúde precário e as péssimas condições de saneamento básico são os principais fatores de risco. No Quênia, os Massai enfrentam a iminente falta de recursos para atendimento médico, carência de água potável e escassez de sabão e máscaras.

 

A tribo Massai, no Quênia, lida com a escassez de recursos para atendimento médico e água potável. Créditos: Wikimedia Commons

Além das questões sanitárias, algumas tribos também são mais afetadas pelas medidas de distanciamento social e bloqueio do setor de comércio e serviços, como é o caso do povo Batwa, na Uganda, que tem como principal fonte de renda as funções que empregam mão de obra barata, como a limpeza e o transporte de lixo de casas e hotéis.

No Chade, o fechamento de pontos de venda e compra de produtos também está afetando a disponibilidade de alimentos. “Nossa agricultura já está vulnerável devido aos impactos das mudanças climáticas e agora esta crise está adicionando pobreza à pobreza”, afirma Hindou Oumarou Ibrahim, coordenadora da Associação de Mulheres de Povos Autóctones do Chade, em entrevista à BBC.

Contudo, mesmo que a pandemia tenha impactado os meios de subsistência de várias comunidades tradicionais africanas, em geral, suas ações para barrar a covid-19 têm surtido efeito e influenciado o número de casos da doença, que é relativamente baixo.

Líderes tribais de vários países, como África do Sul, Botswana, Marrocos e Níger afirmam que suas aldeias têm se mobilizado para conter o vírus, adotando medidas como o bloqueio da entrada e saída em seus territórios, adaptação de práticas ou rituais que envolvam aglomerações, difusão de informações sobre a prevenção da doença em seus idiomas locais, além do fornecimento de sabão, alimentos e itens de proteção. 

Clima quente não é o responsável por baixos índices de contaminação

Apesar da OMS já ter comentado que o clima quente e úmido pode ter ajudado nos bons resultados observados na África, o professor Pontian Kaleebu, em entrevista à Deutsche Welle, explica que o principal fator por trás do número de infecções é a baixa densidade populacional do continente, em contraposição à lotação de grandes centros urbanos, nos quais a probabilidade de contágio aumenta. 

Fábio Luís Teixeira Gonçalves, professor do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, concorda com o argumento: “Pelos avanços da doença em diferentes climas no planeta, podemos dizer com alguma certeza que o clima não é fator preponderante. Aglomerações humanas são o fator principal. Tanto em ambientes abertos como fechados; em particular, neste último”.

A probabilidade de contágio é maior em centros urbanos, onde há grande concentração de pessoas. Créditos: Reuters/Philimon Bulawayo

O clima pode não ser um fator preponderante no sentido da disseminação do vírus mas, em certos contextos, os efeitos da pandemia aliados às mudanças climáticas podem convergir, potencializando vulnerabilidades sociais. Qualidade e acesso aos serviços de saúde, desigualdades, as próprias infraestruturas da saúde pública e os conflitos existentes são exemplos dessa convergência.  

Ao atingir os mais vulneráveis, as mudanças de clima e a pandemia trazem um ambiente de insegurança, aumentando o custo humano e também econômico. O poder público deve atuar, segundo especialistas, colocando a questão sanitária como central em planos estratégicos futuros e fortalecer, assim, o sistema de saúde como um todo.   

Os cuidados são importantes pois temperaturas mais quentes e mais chuvas elevam o aparecimento de insetos e, consequentemente, a propagação de doenças transmitidas por vetores. Algo similar ao que ocorre no Brasil quando se trata do desmatamento, pois com as queimadas os insetos acabam saindo das zonas desmatadas e expandindo seu habitat. Em meio a uma pandemia, o sistema público de saúde não tem como aguentar a convergência desses dois extremos — os efeitos da pandemia e o descaso ambiental — enfrentados tanto na África, quanto no Brasil. 

África do Sul: recorde de mortes, nova variante e vacina à vista

 A África do Sul, uma das economias mais ricas e desenvolvidas entre as nações africanas, tem o maior número de mortos e infectados pelo novo coronavírus no continente — são cerca de 50 mil vítimas, metade do total em todo o continente, além de 1,5 milhão de infectados e 1,3 milhão de recuperados da doença, segundo as estatísticas oficiais. 

A primeira onda ou pico da doença atingiu o país em julho de 2020, com média de 12 mil novos casos ao dia. Agora, o país enfrenta uma segunda e mais intensa onda de contaminações, com cerca de 19 mil novos casos diariamente.  

É o décimo quinto país do globo mais afetado e o que mais sofreu com os efeitos da pandemia na região seguido pelo Egito, que atingiu a marca de 10 mil mortes, além de 184 mil contaminações confirmadas. Entre as nações mais afetadas estão também Marrocos, Tunísia, Egito e Etiópia. Os países mais afetados, nota-se, encontram-se no sul e norte do continente, em regiões de maior densidade populacional, com centros urbanos populosos e que abrigam fluxos mais intensos de turismo e migração. 

“Países como a Guiné-Bissau acabaram sendo relativamente menos afetados pelo número de contágios, num momento inicial, por serem pequenos, um pouco fechados, com pouco afluxo de turistas e de movimento econômico do exterior. Mas os grupos mais vulneráveis destas nações ficaram ainda mais vulneráveis. As políticas de apoio vieram, em grande parte, de agências internacionais de ajuda ao desenvolvimento”, explica Maria Antonieta Del Tedesco Lins, doutora em economia pela Fundação Getúlio Vargas e professora do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Apesar de apresentar um dos maiores PIBs da região, a África do Sul teve de lidar com a primeira onda de contágio quando a economia já estava fragilizada, enfrentando uma recessão. Entre novembro e dezembro de 2020, um em cada três sul-africanos estava sem emprego, segundo o governo. A proporção de 32,5% de desemprego é o recorde histórico do país. “A África do Sul está enfrentando dificuldades tanto por questões de desigualdade quanto de pouca estrutura de partida. Eles já estavam sofrendo demasiadamente, pois a resposta foi mais lenta que a do Brasil no primeiro semestre de 2020. E, agora, estão em uma calamidade absoluta por conta da nova cepa que surgiu ali e é muito mais transmissível”, afirma Lins.

Profissional da saúde segura placa com os dizeres “queremos combater a covid-19” em frente ao hospital da Cidade do Cabo, na África do Sul. Créditos: Reuters/Mike Hutchings

Os desafios tornaram-se maiores com a descoberta de uma variante do novo coronavírus no país, no final de dezembro. Chamada de 501.V2, ela traz uma mutação que, segundo estudos preliminares, pode torná-la mais contagiosa – assim como a B.1.1.7, variação encontrada no Reino Unido que é até 74% mais contagiosa, de acordo com estudo da London School. No Brasil, uma nova variante chamada de P1 foi detectada no final de 2020 em Manaus e, segundo estudo da Universidade de Oxford, pode ser até duas vezes mais transmissível que as versões anteriores. 

A variante sul-africana causou preocupação devido aos temores de que as vacinas disponíveis contra a Covid-19 não sejam eficazes contra ela. Em fevereiro, o país suspendeu o uso da vacina AstraZeneca de Oxford nas campanhas de vacinação após um estudo mostrar baixa eficácia do imunizante contra a variante local.  

Segundo informações da OMS, até o fim do mês de março a maioria dos países africanos iniciarão os seus programas de vacinação. O Covax Facility, consórcio ligado à OMS, planeja enviar cerca de 1,3 milhões de doses para 92 nações de rendimento baixo e médio, cobrindo até 20% da população.

Enquanto o continente espera pelos imunizantes para conter a pandemia, a África do Sul vem também desenvolvendo uma vacina nacional. “A vacina da África do Sul chama-se Shantivax e ainda se encontra em fases mais iniciais de testes”, diz Nicolas Hoch, professor doutor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. 

Segundo o CEO da empresa Genlab, Kamsellin Chetty, em entrevista ao portal de notícias Independent Online, da África do Sul, a vacina deverá provocar uma resposta de anticorpos e utilizará a nanotecnologia para viajar da corrente sanguínea até o local da infecção dentro do pulmão. A Shantivax visará todas as quatro proteínas estruturais que são “visíveis” para o sistema imunitário. Isto inclui as proteínas S, E, M e N.

Ações conjuntas contra o vírus

Em resposta para combater o vírus, diversas organizações internacionais e regionais entraram em ação, buscando liderar as iniciativas necessárias para uma rápida reação, seja ela econômica, sanitária e social. Assim, a União Africana, juntamente com o Africa CDC, vem desde o início coordenando iniciativas por todo o continente, visando controlar e atenuar os impactos do coronavírus nos países membros.

As Iniciativas de Resposta Pandêmica da Covid-19, buscam estabelecer uma série de medidas no enfrentamento da doença, segmentando suas operações em uma série de frentes, como educação, economia, turismo, proteção de fronteiras, além de parcerias para acelerar a testagem na população e um consórcio para ensaios clínicos de vacinas. 

Uma dessas medidas é a Estratégia Continental Conjunta da Africana para o surto da Covid-19 (Africa Joint Continental Strategy for COVID-19 Outbreak). Este protocolo busca melhorar a ação conjunta dos países membros com a OMS e outras agências africanas. Separado em uma série de operações, o documento busca estabelecer e aplicar medidas para prevenir a morte e o contágio pela Covid-19, além de minimizar possíveis rupturas sociais e mitigar as consequências econômicas. 

Além disso, a OMS também lançou a Aliança de Resposta a Infodêmia na África (Africa Infodemic Response Alliance). Visto que, desde o seu início, informações a respeito do coronavírus encheram as plataformas digitais, a aliança busca coordenar ações para combater as desinformações a respeito da pandemia. O acordo buscará, também, disponibilizar um banco de dados confiável para ser utilizado por jornalistas e a mídia, além de complementar os esforços locais de conscientização e demanda de vacinas na região.

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