Estudo da Poli utiliza modelos matemáticos para simular circulação de pessoas e risco de contágio por coronavírus

Parceria entre pesquisadores da Poli e do MIT desenvolve modelagem matemática de plantas para mitigar cenários de contaminação pela doença

A simulação apresenta áreas de maior risco de contágio. (Imagem: Daniel Mota)
A simulação apresenta áreas de maior risco de contágio. (Imagem: Daniel Mota)

A pandemia do novo coronavírus gerou por um longo período a suspensão de inúmeras atividades produtivas, para evitar aglomerações. É neste cenário que se insere o estudo realizado por pesquisadores da Escola Politécnica da USP em parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). O projeto consiste no desenvolvimento de modelos matemáticos que permitem simular a circulação de pessoas, e assim compreender os pontos de maior risco de contágio pela Covid-19 e sugerir maneiras de evitá-lo.

Daniel Mota, professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Produção da Poli, explica que o estudo surgiu a convite do MIT, com o objetivo de criar um modelo para retomada das atividades produtivas em uma fábrica. A partir da planta de produção, o professor e sua equipe — formada também por alunos de graduação, mestrado e doutorado — desenvolveram uma modelagem matemática do comportamento das pessoas no ambiente. Isso é feito através de equações, utilizando estatísticas e probabilidades.

“O coração do modelo — seu conceito principal — foi feito em uma semana, o que para um projeto desse tipo é muito rápido. Depois, tiveram aprimoramentos, melhorias, análises e correções,” relatou Daniel em entrevista concedida no final de agosto. O grupo não estava mais trabalhando no estudo, que durou cerca de dois meses.

O professor explica que a área da engenharia de produção que estuda a criação de modelos para a tomada de decisões é a chamada Pesquisa Operacional (P.O.). Nela, um caso real é transformado em uma série de equações. “Dependendo do comportamento dessas equações, você vai tentar identificar o que melhora ou o que piora, o que é mais efetivo ou menos efetivo, o que é mais barato ou mais caro”, diz Daniel.

O pesquisador trabalha com a técnica de simulação há anos, mas foi a primeira vez que seu grupo modelou o comportamento e fluxo de pessoas. “Geralmente a gente modela o fluxo de produção, as máquinas, a matéria prima, os veículos que vão transportar.” Neste caso, o interesse não estava mais na produtividade do fluxo, mas sim nas possibilidades de contato e aproximação, em vários níveis, das pessoas. “Eu tenho [no modelo], por exemplo, a velocidade da pessoa andando em um corredor. Aquela velocidade não é constante o tempo todo. Então a gente usa probabilidade para entender que a pessoa demorou um pouco mais, um pouco menos, andou em linha reta, desviou, resolveu ir ao banheiro”, explica. 

A circulação de pessoas é estudada através do modelo matemático desenvolvido, permitindo políticas de melhoria.(Imagem: Daniel Mota)
A circulação de pessoas é estudada através do modelo matemático desenvolvido, permitindo políticas de melhoria. (Imagem: Daniel Mota)

A partir do comportamento padrão, foi identificado, por exemplo, que uma variável muito representativa da infecção era a densidade de pessoas, ou seja, a quantidade de pessoas por área, mais do que o número total. Outra variável considerada foi o uso de máscaras de proteção. Quando o estudo foi inicialmente desenvolvido, a utilização ainda não era obrigatória, portanto a variável remetia a chances de ter máscara ou não. Consideraram, também, situações de atraso — que geram velocidade mais alta para chegar ao lugar de trabalho —, medição de temperatura, pontos específicos em que as pessoas se aglomeram mais, entre outros. “O nosso objetivo neste estudo foi propor políticas, ou seja, avaliar ações gerais que trazem melhor ou pior resultado”, conta o professor.

Para além do estudo realizado no caso específico, o grupo expandiu o modelo para outras plantas, como a do Mercadão de São Paulo, mas somente a título de experimentação. O estudo poderia vir a ser aplicado em outros ambientes coletivos que tendem à aglomeração, além de ambientes como centro cirúrgicos, onde a preocupação com a contaminação é alta. 

Em uma situação hipotética de aplicação do modelo em uma universidade, por exemplo, Daniel diz que, através dos mecanismos de probabilidade e estatística, seria possível ter uma boa aproximação simulativa. “Por mais que não seja um carrossel, um fluxo de uma pessoa atrás da outra, através de distribuições se consegue representar bem o que acontece ao longo de uma hora em termos de chances das pessoas irem para diferentes locais”, como refeitório, estacionamento e ponto de ônibus. Seria possível também compreender em quais períodos ao longo do dia formam-se filas em cada um desses locais.

Importância da multidisciplinaridade de pesquisa

Inúmeras pesquisas relacionadas à pandemia do novo coronavírus apresentam caráter multidisciplinar, pois contemplam profissionais de diferentes áreas. Daniel Mota explica que o grupo sempre teve um viés de cuidados de saúde (healthcare) muito forte, com diversas pesquisas focadas em operações ligadas à saúde — como transplante de órgão, ocupação de ambulâncias, dentre outras. 

Porém, o engenheiro considera que a pandemia evidenciou a importância dos aspectos multidisciplinares de pesquisa, o que ficou claro também na modelagem matemática. Em determinado momento, por exemplo, entenderam que necessitavam de um especialista em infectologia para que o estudo continuasse. “O aspecto multidisciplinar foi levado ao extremo. É um caminho que a gente já trilhava, mas acho que para a comunidade científica como um todo é um caminho sem volta”, afirma Daniel.

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