“Poucos países no mundo passaram por um processo tão forte de desindustrialização como o Brasil”, afirma professor da USP

Queda da manufatura aumentou dependência das commodities e contribuiu para aumento do desemprego

[Foto: José Paulo Lacerda/CNI/Agência Brasil]

Mais de 5 mil fábricas fecharam as portas em 2020. De 2015 a 2020 o número é ainda maior: 36,6 mil estabelecimentos industriais foram extintos, o que equivale a uma média de 17 fábricas fechadas por dia. Esses dados — levantados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) — confirmam o diagnóstico de um problema que vem ocorrendo há décadas no Brasil: a desindustrialização.

“Poucos países no mundo passaram por um processo tão forte de desindustrialização como o
Brasil”, afirma o professor Paulo Feldmann, do Departamento de Administração da
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. Em entrevista para a
AUN, o docente explica que o Brasil sofreu uma queda drástica na produção industrial da
manufatura, o que levou a uma dependência ainda maior das commodities, como soja, carne e
minério de ferro.

Para Feldmann, uma das principais causas da desindustrialização no Brasil e em outros países
da América Latina foi o Consenso de Washington, um conjunto de medidas que deveriam ser
tomadas pelos governos desses países para melhorar a economia. Dentre essas
recomendações estavam a austeridade fiscal, abertura para importações, desregulamentação
do mercado, privatizações e redução do papel do Estado na economia. “Essas medidas
acabaram com a indústria da América do Sul, porque na hora que abriu às importações não
tinha como competir com os produtos americanos, asiáticos e europeus”, explica.

Aliado a isso, a falta de política industrial e de planejamento da economia a longo
prazo levaram a uma queda drástica da indústria. De acordo com Feldmann, “no final dos
anos 80 a indústria da manufatura correspondia a quase 30% do PIB brasileiro; hoje, não
chega nem a 9%”. Com a adoção à risca do Consenso de Washington, os países latino-
americanos se especializaram principalmente no setor agrícola, em prejuízo das áreas de
maior valor agregado, como a indústria.

Nos últimos tempos, a desindustrialização ficou patente com o anúncio do fechamento das
fábricas da Mercedes-Benz e da Ford, importantes no setor automobilístico e que
empregavam milhares de pessoas. Na área da tecnologia, a Sony também anunciou o
encerramento de atividades no Brasil. “É difícil encontrar um setor que não tenha sido
prejudicado. Todos foram”, comenta Paulo Feldmann.

Segundo o professor, esse processo pode e deve ser revertido. Para isso, é necessária a
elaboração de uma política industrial junto com planejamento, definição de
setores prioritários e para onde destinar investimentos ou redução de impostos, isto é,
incentivos para a indústria. Dentre os setores que o docente acredita serem importantes estão
aqueles ligados à sustentabilidade como o de energias renováveis e de biotecnologia.

Além disso, a defesa das empresas locais e pequenas, bem como o investimento em educação
de qualidade são pilares essenciais para essa reversão. Nesse processo, o professor também
defende que “o Estado é fundamental, principalmente em um país tão contraditório como o
Brasil”.

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