Genética pode definir eficácia de vacinas contra a Covid-19

A imunidade de rebanho seria uma das principais medidas para a proteção do grupo deficiente, revelando a importância da imunização em massa

Imagem: Reprodução

Estudos internacionais identificaram, aproximadamente, 13 genes que facilitam a ocorrência dos casos mais graves de Covid-19. Estes genes, ainda, podem determinar a eficácia ou não de vacinas contra o vírus no organismo, conforme revela pesquisa da USP com o Covid Human Genetic Effort, grupo internacional de pesquisas genéticas e Sars-Covid-2.

De acordo com Antonio Condino Neto, professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB) e um dos responsáveis pela pesquisa, o ponto de partida para a investigação da suscetibilidade genética ao coronavírus se deu com a identificação de casos nos quais, distanciando-se do usual, jovens aparentemente saudáveis enfrentavam um quadro clínico mais grave da doença. “A resposta imune implica na presença de citocinas, proteínas responsáveis por nos defender contra infecções virais, chamadas de interferons”, ele resume. Elas reduzem, por exemplo, febre, dores musculares e tosse, sendo utilizadas em tratamentos contra hepatite B, hepatite C e esclerose múltipla.

Os genes e moléculas associados à suscetibilidade, por sua vez, estão conectados à via dos interferons tipo 1, forma da citocina que induz a célula infectada e células próximas a produzirem outras proteínas que bloqueiam a replicação do vírus. 

Quando tais proteínas apresentam um funcionamento debilitado por questões genéticas, ocorrem os sintomas mais graves da infecção viral, como cardiopatia, inflamação, agressão do pulmão e insuficiência respiratória. “A maioria dessas mutações [genéticas] têm um caráter autossômico dominante. O que é uma grande preocupação, porque este traço genético se transmite com muita facilidade”, Neto diz.

Ainda, um segundo grupo de indivíduos não apresenta um bom funcionamento da via em decorrência da presença de autoanticorpos — anticorpos que atacam células e tecidos do próprio corpo —, neutralizando o efeito dos interferons tipo 1. Assim, o organismo do paciente se vê boicotado pelo próprio sistema imune. Uma das consequências próximas é a demanda por um estudo clínico que estude a eficácia da reposição dessas citocinas, de modo que o sistema imunológico passe a enfrentar a infecção.

“Outro problema: se existem pessoas que são geneticamente suscetíveis e que têm um problema na via do interferon do tipo 1, a vacina pode não funcionar para elas”, o pesquisador destaca. Além de medicamentos de reposição de anticorpos sintéticos, a imunidade de rebanho seria uma das principais medidas para a proteção do grupo deficiente, por isso a importância da vacinação em massa. No primeiro caso, Antonio enfatiza que o nível de controle de qualidade deve ser alto. 

“Vamos imaginar que o sistema imune seja um motor, e que o combustível seja a vacina. Não adianta você usar combustível para ligar um motor que esteja faltando peças. Ele não vai funcionar”, explica. Não há contraindicações maiores para o uso das vacinas, iniciado em 17 de janeiro no país, mas a comunidade médica deverá ficar atenta quanto a sua eficácia particular. 

Segundo o professor, no Brasil, a discussão envolvendo o uso de medicamentos politicamente controversos e sem provas de eficácia contra a doença ocasionou no atraso de pesquisas mais concretas. “Sabendo que existe uma suscetibilidade genética e resposta autoimune, uma primeira coisa que nós poderíamos desenvolver são kits diagnósticos rápidos, para saber se a pessoa apresenta ou não esse tipo de problema”, ele sinaliza. 

Em relação à terapia de plasma convalescente, isto é, a transfusão de sangue entre uma pessoa recuperada de Covid-19 para outra que ainda luta contra o vírus, Neto defende que é necessário reconhecer se o plasma doado apresenta autoanticorpos derivados de mutações genéticas. “Na vontade de ajudar o paciente, você acaba o prejudicando e transmitindo autoanticorpos para ele. Não dá para continuar fazendo terapia de plasma convalescente assim, às cegas.”

Antonio, por fim, alerta para as complicações tardias derivadas do coronavírus. Com o passar do tempo, é provável o surgimento de pacientes com insuficiência renal crônica; homens estéreis — o vírus da caxumba, por exemplo afeta os testículos, interferindo na fertilidade masculina —; pessoas com cardiopatia e, em crianças, o desenvolvimento de uma síndrome inflamatória multissistêmica na vasculatura, semelhante à Leishmaniose visceral. Com novas variantes do vírus sendo descobertas, a incerteza aumenta. “Ainda tem muito chão pela frente até a gente chegar em soluções definitivas”, conclui.

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