Consumo de alimentos naturais cresce na pandemia

Com o isolamento social, as pessoas passaram a cozinhar e se alimentar mais em casa

Fotos: Freepik

Por Beatriz Azevedo, Camila Paim, Letícia Cangane, Marina Reis e Renata Souza

Mariana Togni, 21, flertava com o vegetarianismo há quatro anos, mas por conta da correria cotidiana sempre acabava optando por comer carne. Com a quarentena, Mariana foi mais incentivada a parar de comer carne e até mesmo, entrar em uma alimentação vegana. 

Na casa da Natalia Simone, advogada de 27 anos, todo mundo se tornou vegano. Ela vive com a mãe, Rosana, e o padrasto, Mário, no Butantã, na cidade de São Paulo. A mudança alimentar era uma vontade há muito tempo, e a pandemia foi o empurrãozinho que faltava para a Natália abraçar o veganismo. 

Assim como Mariana e Natalia, muitas famílias passaram por mudanças alimentares desde o início da pandemia, em março de 2020. Isso se deve a diversos fatores, como a mudança na rotina, mais tempo em casa ou até maior disponibilidade para preparo de refeições. 

O aumento do consumo de alimentos naturais

Uma pesquisa em desenvolvimento na Universidade de São Paulo (USP), em parceria com outras instituições do país, investiga os impactos gerados pela alimentação dos brasileiros no surgimento de doenças. O estudo NutriNet pretende acompanhar, por meio de questionários virtuais, 200 mil pessoas durante dez anos. Até o momento, são mais de 80 mil participantes.

Apesar do objetivo da pesquisa não estar relacionado com a pandemia do novo coronavírus, o início do levantamento permitiu analisar os reflexos da quarentena no prato do brasileiro. O primeiro questionário foi aplicado em janeiro, antes da chegada da Covid-19 no país. Em comparação com o segundo, aplicado em maio, quando a quarentena já estava estabelecida, o consumo de alimentos in natura aumentou.

Segundo a pesquisadora Renata Levy, uma das coordenadoras do estudo, os questionários indicaram um “aumento da prevalência de quem consumiu pelo menos uma fruta, uma verdura ou hortaliça e feijão, no dia anterior ao da resposta. Nós encontramos aumento desses três indicadores de alimentação saudável e dos três juntos”.

Além disso, os pesquisadores observaram que, de modo geral, o consumo de alimentos ultraprocessados permaneceu estagnado. Exceto nas regiões Norte e Nordeste – e principalmente entre grupos de escolaridade mais baixa– que registraram aumento no consumo de industrializados, como refrigerante, suco em caixa ou lata, hambúrguer, nuggets, embutidos, pão de forma, margarina, entre outros.

Renata ressalta, no entanto, que o estudo ainda não é um reflexo fiel da realidade brasileira. “É importante dizer que o Nutrinet ainda é uma pesquisa que tem média da escolaridade superior à média de escolaridade do Brasil como um todo. Ainda tem essa seleção de pessoas mais escolarizadas. Então os resultados têm que ser interpretados dessa maneira. Não é uma amostra representativa da população”, relata a nutricionista.

Vale lembrar que a pesquisa não foi idealizada para analisar a pandemia. É por isso que os pesquisadores não podem dizer as causas das mudanças comportamentais. As hipóteses levantadas são de que estar em casa é o fator principal para o que aconteceu. “Já é sabido que alimentação fora de casa tem uma qualidade menor do que alimentação dentro de casa. Também tem a questão da exposição: onde você vai, você vê alimentos ultraprocessados, então dentro de casa essa exposição é reduzida”, afirma Renata. Além disso, há a possibilidade de as pessoas estarem tentando fortalecer o sistema imunológico a partir da alimentação.

A nova rotina alimentar de Natália, agora vegana, é composta por muito mais alimentos naturais do que antes. “Eu percebi que a alimentação vegana e saudável, além de ter me possibilitado comprar mais produtos orgânicos, também me trouxe uma riqueza maior de alimentos, sabores e nutrientes”, comenta a paulistana. 

Na situação de uma pandemia, com o número de casos por dia ainda elevado, as pessoas tendem a ficar mais ansiosas, no aguardo que a rotina volte ao normal. Em razão disso, um dos principais impactos do comportamento ansioso é na alimentação. Para os psiquiatras, a sensação de não estar no controle pode trazer diversos impactos na mente humana, como os distúrbios alimentares. As pessoas tendem a querer descontar os sentimentos negativos na alimentação, seja comendo mais ou menos. 

Com possibilidades de exercício mais restritas, o acúmulo de gordura corporal é favorecido, o que, por sua vez, aumenta a ansiedade sobre o ganho de peso. De acordo com um experimento da Universidade Yale, nos Estados Unidos, o estresse tem grande influência sobre o apetite e o estresse crônico, sendo responsável por motivar as pessoas a comerem alimentos mais energéticos. Por isso, quando nos vemos em situações de alto nível de estresse, preferimos alimentos como pizza, brigadeiro, sorvete, salgados, chocolate e assim por diante.

Vale lembrar que o crescimento de distúrbios alimentares era um problema mesmo antes da pandemia. Em 2013 a Associação Americana de Psiquiatria (APA) publicou a 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais. No manual, que tem o nome de DSM-5, a compulsão alimentar, ou também chamado de transtorno da compulsão alimentar (TCA) – do inglês binge eating disorder- , aparece catalogado junto a  transtornos como a bulimia e a anorexia nervosa. A divulgação da APA e os alarmantes percentuais mundiais de vítimas com o TCA suscitaram diversas pesquisas no campo científico. Os dados são do Instituto de Psicologia da USP (IPUSP).

A questão da alimentação é interdisciplinar, engloba todos os âmbitos da vida do indivíduo, de acordo com pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, Felipe Alckmin Carvalho. “Eu vejo que, mesmo em grandes centros, há poucas pessoas capacitadas. É muito comum pacientes apresentarem um quadro grave de transtorno alimentar e terem que se deslocar distâncias em busca de tratamento adequado”, diz o professor. 

Por isso, durante a pandemia a questão é ainda mais alarmante. Os hábitos mudaram, as pessoas mudaram e é preciso ter um olhar clínico diante dessa situação. Qualquer medida fora do escopo clínico pode acarretar sérias consequências às pessoas que se veem na situação descrita. 

Os novos hábitos

Mariana relata que o momento mais difícil no processo de se tornar vegana é a adaptação, mas conhecer seus gostos e testar alguns restaurantes pode ajudar na mudança dos hábitos alimentares. “Depois que você se acostuma a cozinhar, é só incorporar isso a uma rotina”, diz. Ela também comenta que tem muitos amigos que passaram a ser vegetarianos e veganos, então quando eles se encontram – mesmo saindo pouco na quarentena – podem cozinhar juntos esses pratos. “Com outras pessoas veganas no ambiente, a gente pode partilhar isso, não é como se eles estivessem fazendo restrições por mim”, completa.

Natália classifica a migração para o veganismo como “uma mudança bem brusca”. Ela conta que, apesar de toda a situação complicada vivenciada com o isolamento social e o coronavírus, a tomada dessa decisão foi muito positiva. “Não só porque era algo que eu queria há muito tempo, mas também porque isso fez com que eu tivesse uma estabilidade na alimentação muito grande”, explica. 

A mudança promovida por Natália resultou apenas em benefícios, segundo ela. Dentre os principais pontos citados, ela conta que a nova alimentação possibilitou que ela conhecesse novos sabores e explorasse alimentos diferentes do que estava acostumada. “Para mim, a pandemia acabou sendo positiva nesse sentido, de mudança de hábito alimentar. Eu consegui programar melhor as minhas refeições, fiquei bem apegada à comida de casa, e me descobri também cozinhando, então foi bem positivo”, conclui. 

Em relação ao retorno à rotina normal e com atividades presenciais, Mariana não demonstra preocupação. “Quando as coisas voltarem ao normal, vai ser mais fácil. Para ser sincera, acho que a USP ainda vai demorar muito tempo para retornar às aulas presenciais e meu trabalho também não deve voltar tão cedo. Ainda assim, pretendo continuar sendo vegana pelo menos na quarentena”, comenta. 

O preço do prato

É impossível negar que o preço dos alimentos é um dos fatores que impactam o prato do brasileiro, ainda mais em tempos de instabilidade econômica em que as famílias têm de encontrar as melhores formas de administrar o orçamento. A pandemia da Covid-19 intensificou as dificuldades, principalmente nos domicílios de baixa renda.

Segundo o IBGE, só os produtos na área de alimentação e bebidas têm ocupado, durante esse ano, números por volta dos 20% do orçamento familiar, superando o gasto com transporte e isso se dá por conta da alta nos preços dos produtos. O mês de outubro, por exemplo, foi marcado pelas altas nos preços de alimentos básicos como frutas (+2,59%) e a batata-inglesa (+17,01%). Esses aumentos nos preços aliados às instabilidades econômicas do período e o aumento do desemprego expõem cada vez mais famílias aos diversos tipos de insegurança alimentar.

Segundo o dossiê publicado pelo IBGE em setembro deste ano, os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 mostram que, durante aquele período, 84,9 dos 207,1 milhões de brasileiros, (cerca de 41% da população) viviam com algum grau de insegurança alimentar. Na distribuição eram: 56 milhões em domicílios com insegurança alimentar leve, 18,6 milhões com insegurança alimentar moderada e 10,3 milhões que viviam com insegurança alimentar grave, em que chegou-se a relatar situações de fome.

Com as altas nos preços dos alimentos durante o período pandêmico, esses números tendem a aumentar.

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