A tese de doutorado de André Augusto dos Anjos Couto, defendida na Faculdade de Educação (FE) da USP, revela um cenário preocupante para a educação infantil no Brasil. Entre 2014 e 2019, apenas 32,2% das crianças de até três anos estavam matriculadas em creches no país. Isso representa um déficit significativo em relação à meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê que, até 2024, pelo menos 50% dessas crianças devem ter acesso à educação infantil.
O estudo evidencia que as desigualdades regionais e socioeconômicas influenciam diretamente o acesso às creches. Enquanto os municípios da região Sul registraram uma média de 43% de cobertura, no Norte do país, esse índice caiu para apenas 18%. Outro fator que agrava a situação é o nível socioeconômico: municípios com baixos indicadores de desenvolvimento atendem, em média, 27,4% das crianças, enquanto os de maior nível atendem até 45,6%.
“Uma outra consequência é a implicação social relacionada ao impedimento das mães para ingressarem no mercado de trabalho, uma vez que sem as vagas nas creches, estas precisam ficar em casa para cuidar das crianças. Em lares monoparentais cujas mães são responsáveis pela renda da casa, a ausência de trabalho pode levar a situação de vulnerabilidade uma vez que sem a renda diminuem-se as provisões básicas para condição de uma vida digna”, destaca o pesquisador.
As áreas rurais também enfrentam dificuldades maiores. Nas cidades menos urbanizadas, a cobertura foi de apenas 21,7%, enquanto nos centros urbanos chegou a 36,7%. A pesquisa aponta que, mesmo após cinco anos de vigência do PNE, as políticas públicas não têm sido suficientes para cumprir o direito constitucional à educação para as crianças pequenas.
Além de mapear o cenário atual, a tese propõe novas metodologias de cálculo para monitorar o atendimento educacional de forma mais frequente, a fim de reduzir o intervalo de 10 anos entre os censos demográficos. Isso permitiria uma análise mais constante da oferta de creches, essencial para a criação de políticas públicas eficazes.
“Este é o principal problema, a ausência de dados regulares que permitam o monitoramento do acesso à creche na maioria dos municípios do país, levando em conta que este é o ente federado responsável pela oferta e garantia da educação infantil”, comenta Couto.
O estudo reforça que, apesar de avanços, o Brasil ainda está distante de garantir o direito à educação infantil para todas as crianças de até três anos. Para que o país atinja a meta estabelecida no PNE, será necessário um esforço coletivo entre governos municipais, estaduais e federal, além de maior investimento em infraestrutura e capacitação de profissionais, principalmente nas regiões mais vulneráveis.
Os dados apresentados na tese de Couto foram retirados de diversas fontes oficiais. Entre as principais, estão os censos demográficos de 2000 e 2010, estimativas intercensitárias de 2012 e projeções populacionais de 2014 a 2019, todas disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, foram utilizados dados de matrículas do Censo Escolar, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), e informações de nascimentos disponíveis no DATASUS, plataforma do Ministério da Saúde.
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