Escola de Enfermagem da USP busca manter viva a memória de enfermeira vítima da ditadura militar

Imagem: Reprodução (Wikipedia)

Provavelmente a principal efeméride de 2024, no dia 1 o de abril se completaram os 60 anos do Golpe Militar de 1964. O assunto tem sido amplamente relembrado em diversas esferas da sociedade. Entre as 434 pessoas mortas e desaparecidas pela ditadura, está Luiza Augusta Garlippe. Formada em Enfermagem pela EE USP em 1964, a jovem ficou conhecida como Tuca e teve
papel importante na Guerrilha do Araguaia, contexto no qual acabou se tornando uma desaparecida política em 1974.

Garlippe nasceu em 1941 em Araraquara (SP), cidade cuja Comissão de Direitos Humanos leva seu nome como homenagem. Aos 19 anos, Tuca se mudou para São Paulo a fim de cursar Enfermagem na USP e se formou em 1964. No ano seguinte, ela finalizou a Habilitação em Saúde Pública e iniciou sua carreira, chegando a ser enfermeira-chefe do Departamento de Doenças Tropicais do Hospital das Clínicas.

No contexto da EEUSP, não se têm tantas informações sobre Garlippe enquanto estudante, mas muitos relatos da época mostram o cuidado da instituição com seus discentes. A professora Célia Maria Sivalli Campos fala um pouco sobre essa época. “A Luiza Garlippe vivenciou, certamente, o internato na Escola, assim como as demais alunas e docentes. O internato perdurou na Escola até 1973. Há relatos de egressas daquela época retratam a vivência do regime de internato, destacando-se o acolhimento da Direção às famílias das candidatas ao curso, que vinham até a Escola ‘entregar suas filhas sob a responsabilidade da Diretora’”.

Mesmo no período ditatorial, se manteve na EE USP o princípio do cuidado. Campos explica: “Era tamanha a responsabilidade da Diretoria pela segurança e integridade das alunas, que poderíamos inclusive assegurar que a Profa Maria Rosa representava um ‘domo de ferro’ para a proteção delas, frente ao contexto da ditadura militar que se impunha ao país. Fato é que os agentes daquele regime ditatorial nunca adentraram à Escola”.

Luiza aprofundou seus conhecimentos em viagens ao Amapá e ao Acre, o que a ajudaria futuramente durante sua atuação no Araguaia. Ainda em São Paulo, tornou-se ativa integrante da Associação dos Funcionários do Hospital das Clínicas, papel que a consolidou como militante política. Nele, ela distribuía panfletos e organizava seus colegas de trabalho, seguindo já naquele momento a orientação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para mobilização social contra o regime militar.

Conforme a Professora Ana Luiza Vilela Borges, Vice-Diretora da EEUSP: “Sua atuação como enfermeira, inclusive no contexto da guerrilha do Araguaia, é reveladora da sua militância política em defesa dos direitos humanos, a luta pela dignidade, mormente a defesa do Estado Democrático e de Direito”. Ela complementa: “A inspiração para os trabalhadores da Enfermagem ontem e hoje diz respeito ao exemplo de luta, coragem e determinação, por parte da Luiza e daquelas pessoas que também lutaram em prol e em defesa da democracia e do direito de uma vida digna, contra o Estado Ditatorial”.

Ao perceber o perigo iminente representado pela repressão à militância política naquele momento, Garlippe dirigiu-se com seu parceiro Pedro Alexandrino Filho (Peri), também desaparecido do Araguaia, às margens do rio Gameleira. Lá, dedicou-se fervorosamente ao trabalho relacionado à saúde e higiene junto à comunidade local, ganhando renome como parteira. Após a investida agressiva militar chamada Operação Marajoara, em dezembro de 1973, Tuca foi uma das últimas sobreviventes da guerrilha.

As informações sobre sua data de falecimento ou desaparecimento são imprecisas e conflitantes. O provável destino da jovem de 33 anos foi ter sido submetida à tortura e posteriormente morta. Seu corpo nunca foi encontrado e não há resposta definitiva quanto às circunstâncias de sua morte, sendo até hoje dada como desaparecida política. Tuca integra o grupo de aproximadamente 69 mortos e desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, dos quais apenas 3 corpos foram encontrados e identificados.

O papel da enfermagem em momentos de instabilidade e violência política é fundamental. O professor Genival Fernandes de Freitas discorre sobre: “a história não se faz somente com líderes de grandes projeções, se não forem recuperados em um trabalho de garimpo e inclusão, aqueles ou aquelas que se chamou de história do vencido. O vencido no embate social tem uma história, entretanto não acessa as formas dominantes de divulgá-las e valorizá-las”. Ele explica o compromisso do ofício com essa história: “A Enfermagem, ao se transformar e contar a sua versão da história, necessita cada vez mais de iniciativas que valorizem esses espaços de conhecimento e divulgação da história dos vencidos, suas lutas, crenças e ideais”.

Na USP, vivem diversos fragmentos da memória daqueles que partiram durante a Ditadura Militar. Conforme a Comissão da Verdade da USP, o regime foi responsável pela morte de 39 alunos, seis professores e dois funcionários da universidade, totalizando 47 pessoas. Centros acadêmicos, atléticas, salas e bibliotecas da universidade são nomeados em homenagem a essas pessoas.
Palestras, eventos e textos são realizados frequentemente para rememorar a Ditadura, suas vítimas e suas consequências.

Na EE USP não é diferente, Luiza Augusta Garlippe é homenageada pela Escola e sua memória permanece viva. A professora Ana Vilela conclui: “A Escola de Enfermagem da USP manteve-se fiel aos princípios e valores da sua fundação, com a excelência do ensino, da pesquisa e da extensão à coletividade. Por isso, é coerente formarmos enfermeiras (os) que, como Luiza, se indignem com
desigualdades tão profundas nas condições de vida e de saúde da população brasileira, seja onde for que desenvolvam o trabalho de enfermagem.”

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