História evolutiva e evolução acelerada podem ajudar a prever impactos das mudanças climáticas nos recifes de coral

Pesquisa do Centro de Biologia Marinha da USP avalia alterações fisiológicas nos corais diante de mudanças climáticas simuladas

Corais branqueados na ilha Heron, Austrália. [Imagem: Richard Vevers/The Ocean Agency/Catlin Seaview Survey - Reprodução/Observatório do Clima]

Cerca de 64% dos corais do mundo podem estar ameaçados até o ano de 2100; é o que afirma a pesquisa divulgada na revista científica Plos Biology, em 2022. E uma das principais causas desse cenário é o aquecimento global, que leva ao branqueamento dos corais zooxantelados, categoria que abrange cerca de 800 espécies descobertas pela ciência até os dias atuais. 

Dessa forma, a preservação dos recifes tem sido uma prioridade no meio científico e diversas soluções vêm sendo estudadas. Uma delas, desenvolvida pelo Centro de Biologia Marinha da USP (Cebimar-USP), busca analisar o passado evolutivo dos corais e a sua relação simbiótica com as microalgas, para tentar antecipar mudanças fisiológicas que possam dar tolerância às crises climáticas.

Qual a relação entre algas e corais?

Ambos estão em uma relação simbiótica, ou seja, uma relação harmônica e dependente entre duas espécies diferentes, em que cada uma é beneficiada. No caso dos corais, a relação é feita com microalgas, chamadas popularmente de zooxantelas. Ao realizarem fotossíntese, estas disponibilizam açúcares e outros compostos para a sobrevivência do coral que, em troca, fornece abrigo a elas. “Até 95% das demandas energéticas do coral podem vir da fotossíntese desempenhada pelas zooxantelas. No entanto, hipotetizamos que esses animais possam ser mais suscetíveis à mortalidade quando comparados a aqueles sem simbiose fotossintética dada a possibilidade de branqueamento”, afirma Samuel Coelho de Faria, professor do Cebimar-USP e coordenador regional do Projeto Coral Vivo no estado de São Paulo. 

Na primeira imagem, um recife saudável, seguida de uma foto posterior ao branqueamento. [Imagem: Reprodução/Observatório do Clima]
E o que é o branqueamento? É a consequência da expulsão controlada das microalgas pelos corais. Esse fenômeno ocorre, em especial, devido ao aumento da temperatura dos oceanos, que afeta o sistema fotossintético das zooxantelas e resulta na elevação das espécies reativas de oxigênio, tóxicas ao animal quando em concentrações muito altas. Em uma tentativa de eliminar esse estresse, o coral expulsa a microalga, expondo seu esqueleto, de coloração branca. 

“Se esse processo for muito intenso ou muito longo, o coral pode vir a morrer. Sabe-se, atualmente, que 50% dos recifes do Brasil estão ameaçados e 37% sob alto risco de branqueamento”. 

Simulando o futuro e tentando acelerar a evolução

Neste cenário de aquecimento global, a pesquisa do Cebimar-USP reconstrói o passado evolutivo (filogenético) para compreender parte das causas da tolerância às mudanças climáticas. 

A etapa inicial é resgatar a evolução da simbiose nos corais e como isso afetou a sua fisiologia diante das alterações ambientais. “O que estamos tentando fazer é reconstruir o passado para melhor modelar o futuro. Estamos pegando o conjunto de dados, já gerados ao longo da história, para juntar com os nossos [atuais] a fim de criar um cenário inovador”. 

Partindo dessa investigação, são selecionadas diversas espécies de corais para serem estudadas no laboratório e submetidas a simulações de mudanças climáticas em cenários esperados para o fim do século. 

Outra parte da metodologia consiste em entender como a evolução das microalgas influencia a do coral. Seria possível cultivar algas em condições esperadas para os próximo anos a fim de que populações mais tolerantes à temperatura fossem artificialmente selecionadas? Se sim, estas microalgas poderiam tornar o coral hospedeiro mais tolerante ao aquecimento oceânico?

Sistema experimental utilizado durante a pesquisa [Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal de Samuel Coelho de Faria]
Para testar essa hipótese, as zooxantelas são isoladas do coral, cultivadas e colocadas a uma temperatura elevada durante um período de 3 a 4 anos. Trata-se de uma evolução acelerada ou assistida: “Vamos, nesse desenho experimental, acelerar um processo que aconteceria naturalmente no campo até o fim do século em alguns poucos anos”. A expectativa é que algas termotolerantes produzam uma menor quantidade de espécies reativas de oxigênio em cenários de aquecimento. Essas microalgas, quando transferidas para o coral,  promoveriam um melhor desempenho diante dos novos tempos climáticos. 

Por que antecipar as mudanças climáticas?

Para o pesquisador, entender como as formas de vida serão impactadas no futuro permite a discussão de soluções entre os tomadores de decisão, órgãos públicos e sociedade, que devem co-criar políticas públicas que visem o manejo e a conservação dos oceanos. Portanto, para além dos ganhos científicos e acadêmicos, a pesquisa busca causar um impacto social para a defesa desses ambientes marinhos: “Antecipar os efeitos das mudanças do clima nos torna capazes de refletir sobre as nossas ações hoje para tentar melhorar a forma como a gente se insere no ambiente”.

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