Cerca de 64% dos corais do mundo podem estar ameaçados até o ano de 2100; é o que afirma a pesquisa divulgada na revista científica Plos Biology, em 2022. E uma das principais causas desse cenário é o aquecimento global, que leva ao branqueamento dos corais zooxantelados, categoria que abrange cerca de 800 espécies descobertas pela ciência até os dias atuais.
Dessa forma, a preservação dos recifes tem sido uma prioridade no meio científico e diversas soluções vêm sendo estudadas. Uma delas, desenvolvida pelo Centro de Biologia Marinha da USP (Cebimar-USP), busca analisar o passado evolutivo dos corais e a sua relação simbiótica com as microalgas, para tentar antecipar mudanças fisiológicas que possam dar tolerância às crises climáticas.
Qual a relação entre algas e corais?
Ambos estão em uma relação simbiótica, ou seja, uma relação harmônica e dependente entre duas espécies diferentes, em que cada uma é beneficiada. No caso dos corais, a relação é feita com microalgas, chamadas popularmente de zooxantelas. Ao realizarem fotossíntese, estas disponibilizam açúcares e outros compostos para a sobrevivência do coral que, em troca, fornece abrigo a elas. “Até 95% das demandas energéticas do coral podem vir da fotossíntese desempenhada pelas zooxantelas. No entanto, hipotetizamos que esses animais possam ser mais suscetíveis à mortalidade quando comparados a aqueles sem simbiose fotossintética dada a possibilidade de branqueamento”, afirma Samuel Coelho de Faria, professor do Cebimar-USP e coordenador regional do Projeto Coral Vivo no estado de São Paulo.
E o que é o branqueamento? É a consequência da expulsão controlada das microalgas pelos corais. Esse fenômeno ocorre, em especial, devido ao aumento da temperatura dos oceanos, que afeta o sistema fotossintético das zooxantelas e resulta na elevação das espécies reativas de oxigênio, tóxicas ao animal quando em concentrações muito altas. Em uma tentativa de eliminar esse estresse, o coral expulsa a microalga, expondo seu esqueleto, de coloração branca.
“Se esse processo for muito intenso ou muito longo, o coral pode vir a morrer. Sabe-se, atualmente, que 50% dos recifes do Brasil estão ameaçados e 37% sob alto risco de branqueamento”.
Simulando o futuro e tentando acelerar a evolução
Neste cenário de aquecimento global, a pesquisa do Cebimar-USP reconstrói o passado evolutivo (filogenético) para compreender parte das causas da tolerância às mudanças climáticas.
A etapa inicial é resgatar a evolução da simbiose nos corais e como isso afetou a sua fisiologia diante das alterações ambientais. “O que estamos tentando fazer é reconstruir o passado para melhor modelar o futuro. Estamos pegando o conjunto de dados, já gerados ao longo da história, para juntar com os nossos [atuais] a fim de criar um cenário inovador”.
Partindo dessa investigação, são selecionadas diversas espécies de corais para serem estudadas no laboratório e submetidas a simulações de mudanças climáticas em cenários esperados para o fim do século.
Outra parte da metodologia consiste em entender como a evolução das microalgas influencia a do coral. Seria possível cultivar algas em condições esperadas para os próximo anos a fim de que populações mais tolerantes à temperatura fossem artificialmente selecionadas? Se sim, estas microalgas poderiam tornar o coral hospedeiro mais tolerante ao aquecimento oceânico?
Para testar essa hipótese, as zooxantelas são isoladas do coral, cultivadas e colocadas a uma temperatura elevada durante um período de 3 a 4 anos. Trata-se de uma evolução acelerada ou assistida: “Vamos, nesse desenho experimental, acelerar um processo que aconteceria naturalmente no campo até o fim do século em alguns poucos anos”. A expectativa é que algas termotolerantes produzam uma menor quantidade de espécies reativas de oxigênio em cenários de aquecimento. Essas microalgas, quando transferidas para o coral, promoveriam um melhor desempenho diante dos novos tempos climáticos.
Por que antecipar as mudanças climáticas?
Para o pesquisador, entender como as formas de vida serão impactadas no futuro permite a discussão de soluções entre os tomadores de decisão, órgãos públicos e sociedade, que devem co-criar políticas públicas que visem o manejo e a conservação dos oceanos. Portanto, para além dos ganhos científicos e acadêmicos, a pesquisa busca causar um impacto social para a defesa desses ambientes marinhos: “Antecipar os efeitos das mudanças do clima nos torna capazes de refletir sobre as nossas ações hoje para tentar melhorar a forma como a gente se insere no ambiente”.
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