Pesquisa analisa o potencial poético e criativo do cinema científico

Tese de doutorado recupera filmes científicos da Universidade de São Paulo feitos nos anos 1970 com o Instituto de Física e analisa-os à luz do olhar cinematográfico

Experimentos científicos podem se transformar em imagens poéticas e inusitadas com a linguagem cinemática. [Imagem: Reprodução/ YouTube]

A tese de doutorado de Maria Luiza Marques, A poesia insólita do cinema científico, busca compreender o valor desse gênero na cultura do audiovisual ao estudar sua linguagem e estética. Os objetos de pesquisa são os filmes Nicholas Copernicus, de Ray e Charles Eames, e De Revolutionibus e a série Centro de Massa, de Marcello Tassara.

Tassara foi o cineasta responsável por uma série de filmes em parceria com professores do Instituto de Física (IF) da USP nos anos 1970. Após obter as latas de filme com professores do IF, Maria Luiza ocasionou a recuperação de quatro dos 18 filmes. A pesquisadora se fascinou pela beleza dos filmes de Tassara. “É inesperado. Você tem uma imagem que é real, mas ao mesmo tempo ela é tão bonita que suscita o poético”, afirma.

Arlindo Machado, professor da ECA, havia enfatizado a importância da colaboração entre o cineasta e o cientista no cinema científico. Tassara, além de cineasta, era formado em física, e por isso seus filmes chamam atenção não só pela beleza estética, mas pelo conteúdo. “O professor Tassara sabia o que queria mostrar conceitualmente e como ele queria mostrar. Esse como é o saber cinematográfico”, diz Maria Luiza. A parceria entre o IF e a ECA começou com a pesquisa do professor Mikiya Muramatsu, com o intuito de descobrir se o filme poderia ajudar no ensino de física. 

Maria Luiza analisa trechos de filmes científicos para responder o porquê de serem tão bonitos. Assuntos como matemática, animações de átomos e o crescimento de plantas são retratados de maneira inovadora.  

Em sua tese, Maria Luiza realiza uma retrospectiva de imagens científicas, começando da ilustração e seguindo para a fotografia e o cinema. Em seu texto O Filme Científico, Benedito Junqueira Duarte, responsável por dezenas de filmes na área da saúde nos anos 1940, afirma que o cinema científico foi o primeiro gênero do cinema, pois ele foi, em parte, desenvolvido para retratar inovações e experimentos científicos.

Eadweard Muybridge criou uma “imagem em movimento” para estudar o galopar de um cavalo. Hoje, ele é conhecido como um dos pais fundadores do cinema.

Muitas tecnologias foram desenvolvidas para retratar imagens científicas – a exemplo do próprio cinema – levando à ideia de que este pode andar de mãos dadas com a ciência. “Para existir uma imagem científica, ela precisa de todo um aparato criado para aquilo. Tem toda uma ciência por trás da imagem científica. O sujeito se pergunta ‘como é que eu vou fotografar um átomo? Bom, vou ter que desenvolver um equipamento específico'”, explica Maria Luiza. 

A pesquisadora demonstra que os recursos que conferem ao cinema científico um efeito poético são a beleza estética da imagem e a montagem do filme, que tem o potencial para questionar relações de significado e despertar a criatividade. “O filme tem o poder de suscitar a sua imaginação para outro fenômeno. Você se pergunta:  ‘se isso acontece assim com o ar, como seria com a água?’ Você vai além daquilo que você está assistindo”, afirma. 

Em De Revolutionibus, de Tassara, há um “certo grau de fabulação”, e a linearidade cronológica é explorada de maneira inusitada. O filme tem um potencial subversivo; além de músicas como Jimi Hendrix e imagens sem licença, ao final, Tassara entretém o embate milenar entre a ciência e a religião. 

Como exemplo de cinema científico dessa maneira, Maria Luiza cita MindFluctuations: “É uma animação obtida a partir do aplicativo numeric variations com a ligação de eletrodos do cérebro de um indivíduo a um sistema computacional”, explica. “À medida que a pessoa sentia medo, nervoso, alegria, as imagens eram criadas – o sistema numérico computacional traduzia as vibrações dos neurônios deles para imagens. É um filme totalmente abstrato”. 

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