Pesquisa da USP analisa o impacto da doença de Alzheimer na linguagem

Pacientes em instituições de longa permanência são mais vulneráveis às perdas comunicacionais

Imagem: Reprodução/ Pixabay

A doença de Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo incurável que afeta cerca de 10% das pessoas acima de 65 anos e tem incidência de 25% em idosos com mais de 80. No Brasil, a doença afeta mais de um milhão de pessoas e estima-se que, a cada ano, cem mil novos casos são diagnosticados. Sem causa reconhecida pela ciência, a doença compromete gradualmente as funções cognitivas, a memória e também a linguagem.

No campo da língua, a doença pode ser dividida em três níveis: leve, quando há alterações no vocabulário e nos significados; moderada, com prejuízos nos sons produzidos e na estrutura frasal, e severa, quando há danos graves na comunicação, que podem causar mutismo.

Buscando estudar comparativamente os discursos de idosos saudáveis e de portadores da doença de Alzheimer, a pesquisadora Andréa Farias Higa escreveu a dissertação A linguagem de sujeitos com Alzheimer em interação semiespontânea, na qual analisa os diversos estágios da doença e seus impactos linguísticos. 

Para o trabalho, Andréa entrevistou 15 idosos, cujos perfis variavam entre saudáveis e portadores da doença e entre os que moravam com os parentes e os internados em instituições de longa permanência

Impactos da doença na fala

Ao longo das entrevistas, a autora da pesquisa notou particularidades na fala dos sujeitos com Alzheimer: “Eles perdem o fluxo narrativo e entram em um discurso mais circular”. Andréa também sintetizou algumas alterações presentes nesse discurso, como as hesitações, longas pausas, prolongamento de palavras e esquecimento da fala. 

Esses sintomas foram menos perceptíveis em pacientes cercados por familiares, conta a pesquisadora: “Quando ele está com a família, constrói uma rede de associação, um espaço de convívio da fala”. Os parentes auxiliam na manutenção do repertório do paciente ao recordar elementos centrais de sua vida, o que é essencial para retardar os sintomas. “A comunicação é uma necessidade social, é fundamental que o sujeito consiga reconstruir sua história”, explica a autora.

 

O psiquiatra Alois Alzheimer foi o primeiro a reconhecer a doença, em 1909 [Imagem: Reprodução/ Wikimedia Commons]
Muitos idosos com Alzheimer, contudo, são enviados para instituições de longa permanência, frequentemente sem contato com os laços familiares. “Lá, o sujeito perde esse mecanismo de resgate das memórias”, conta Andréa. Como tentativa de recuperar a narrativa autobiográfica do paciente, muitas instituições optam por utilizar álbuns de fotografias, que convidam a relembrar o passado.

Mutismo

A doença, em sua fase terminal, pode levar à perda completa da habilidade de se comunicar verbalmente; os pacientes passam a ter dificuldade em expressar pensamentos, sentimentos e até mesmo sintomas graves: “Eles sentem dores, mas não conseguem relatar ao médico, o que também prejudica o diagnóstico”, explica a autora. 

A perda da fala não decorre somente de uma evolução natural da doença; ela é potencializada pelo isolamento do idoso, conta a pesquisadora. “Acontece em grande parte porque ele não reconhece mais a importância de falar”. Segundo Andréa, o paciente que não convive socialmente deixa de ter estímulos para produzir ideias com sentido.

Para além da análise linguística e científica, a dissertação de Andréa Higa buscou inserir a doença em seu contexto social e se dedicou a compreender os sujeitos com doença de Alzheimer também a partir de sua subjetividade, não apenas como dados de pesquisa. “A perda da linguagem vai muito além da perda neurológica, também envolve o cenário em que o idoso está situado e os estímulos que ele recebe”.

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