Estudo estima mortes prematuras causadas por ultraprocessados

Alimentos desse tipo podem ser associados ao aumento de doenças como diabetes e câncer

O consumo de ultraprocessados quintuplicou nas últimas décadas e pode contribuir para cerca de 57 mil mortes prematuras -
O consumo de ultraprocessados quintuplicou nas últimas décadas e pode contribuir para cerca de 57 mil mortes prematuras - Foto: CEE Fiocruz

No final dos anos 2000 algo mudava na alimentação dos brasileiros. Pesquisas mostravam que o consumo de óleo, açúcar e sal havia diminuído. Apesar disso, o peso dos brasileiros, em geral, estava aumentando. Entre 1975 e 2009, a proporção de pessoas acima do peso ou vivendo com algum grau de obesidade mais que dobrou. Mas o que explicava essa estranha contradição? A resposta, baseada em pesquisas, indicava um novo protagonista na alimentação nacional: os ultraprocessados. Na verdade, os brasileiros não estavam consumindo menos açúcar, gordura e sal. Eles estavam consumindo esses nutrientes de outra forma: o País estava trocando alimentos in natura, como frutas, arroz, feijão, proteínas e legumes, por alimentos prontos, como biscoitos, refrigerantes e macarrão instantâneo. 

De 1975 para cá, a presença de biscoitos e refrigerantes na cesta de compras quintuplicou. E essa não foi a única mudança. Por mais de um século, a ciência da nutrição se concentrou naquilo que ajudou a nomeá-la: os nutrientes. No entanto, a entrada dos ultraprocessados na cultura alimentar de muitos países fez com que surgisse a necessidade de uma nova forma de categorizar os alimentos, não mais pensando no que os compunha, mas na forma como eram feitos e nos efeitos que causavam.

A partir desse momento, uma fórmula genuinamente brasileira ajudou a definir o que seriam esses produtos. O pesquisador Carlos Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da Universidade de São Paulo, propôs a categorização por grau de processamento, partindo dos alimentos in natura, que são aqueles consumidos com praticamente nenhum tipo de alteração, até chegar nos ultraprocessados, que mal podem ser considerados alimentos. A solução se materializou no Guia Alimentar para a População Brasileira, de 2006, referência mundial na defesa da alimentação saudável.

Alimentos ultraprocessados ​​têm sido associados a um risco aumentado de doenças não transmissíveis, como diabetes, doenças cardiovasculares e câncer, bem como mortalidade por todas as causas. Um estudo recente feito pelo NUPENS e publicado no periódico científico American Journal of Preventive Medicine estimou as mortes prematuras atribuíveis ao consumo desses produtos e indica que eles podem ter sido responsáveis por aproximadamente 57 mil óbitos de pessoas entre 30 e 69 anos no Brasil em 2019. 

Um modelo comparativo de avaliação de risco foi desenvolvido a partir da análise do consumo nacional de alimentos e dados demográficos de mortalidade. As informações foram examinadas em 2022 e os resultados foram publicados esse ano. “O número é bastante expressivo e mostra um impacto preocupante dos ultraprocessados na saúde pública”, diz Maria Laura Louzada, vice-coordenadora do Nupens e coautora do estudo. “O caminho para lidar com esse cenário passa pela criação de políticas públicas que possibilitem, principalmente, dois caminhos: facilitar o acesso a alimentos in natura e minimamente processados e mitigar o consumo de ultraprocessados.” 

De acordo com a pesquisa, a presença de ultraprocessados na dieta do brasileiro pode chegar até 21% do total de calorias consumidas e a indústria pode se valer de diversas estratégias para impulsionar a venda e o consumo desses alimentos. Como por exemplo, por meio da gestão de informação, quando tenta manipular a divulgação de dados sobre os efeitos negativos desses alimentos, ou ao tentar influenciar políticas públicas, fazendo lobby para garantir um ambiente político favorável a suas atividades comerciais. 

Outro efeito é o impacto na cultura alimentar. “No Brasil, a cultura alimentar é forte: temos o arroz e o feijão como base da alimentação e, inclusive, temos a expressão ‘comer comida’ que nos remete a uma refeição como um prato feito”, lembra Louzada, que também foi consultora técnica do Guia Alimentar. “No entanto, é importante lembrar que os ultraprocessados não são complementares às nossas refeições – eles as substituem”. A pesquisadora lembra que há outras questões envolvidas no impulso ao consumo de ultraprocessados, como o potencial viciante desses alimentos, a grande disponibilidade e os preços cada vez mais competitivos. 

Louzada defende que, do ponto de vista individual, a melhor alternativa é sempre preferir os alimentos in natura ou minimamente processados. Uma dica é: se você não entende a lista de ingredientes do rótulo, evite. Mas esse tipo de escolha não depende apenas do indivíduo, ela está diretamente relacionada ao contexto social em que ele está inserido. Se contribuímos coletivamente para um ambiente em que esse tipo de produto é atraente, do ponto de vista do marketing e dos preços, eles serão cada vez mais consumidos. Daí a importância de políticas de controle e regulação, além de alternativas para tornar alimentos saudáveis acessíveis para todas as pessoas.

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