No Brasil, mais de 40% das mulheres que vivenciam aborto optam por descontinuar o uso de anticoncepcionais

Pesquisadores da USP investigam fatores que podem influenciar na decisão pela interrupção de métodos contraceptivos

Fotomontagem com imagens de Freepik e Wikimedia Commons por Adrielly Kilryann

Ainda que o aborto não seja legalizado no Brasil (salvo em casos de gravidez de risco à vida da gestante, gravidez resultante de violência sexual ou anencefalia fetal, conforme o Código Penal), a sua ocorrência permanece sendo uma grande questão de saúde pública. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Aborto de 2016, estima-se que 1 em cada 5 mulheres de até 40 anos já realizou aborto uma vez na vida. Mas o que acontece com a saúde sexual dessas pessoas após vivenciarem isso?

Uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) atestou que, entre as mulheres brasileiras que experienciaram um abortamento, 41,8% descontinuou o uso de métodos contraceptivos em um período de até 12 meses – isto é, interrompeu a utilização por completo, engravidou durante o uso ou substituiu o método por outro.

Além disso, observou-se que, nesses casos, os anticoncepcionais de curta duração, como o preservativo e a pílula oral, são utilizados em maior escala do que aqueles de longa ação, como o DIU e o implante hormonal. Consequentemente, os métodos de curta duração estão associados a maiores taxas de descontinuidade em seu uso.

De acordo com Ana Luiza Vilela Borges, professora titular do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP e autora da pesquisa, a opção pela descontinuidade ocorre, principalmente, por conta da “falha” do método – ou seja, porque as usuárias engravidaram durante a sua utilização. “A maior parte das mulheres que vivenciaram a falha contraceptiva usavam o preservativo masculino (ou externo), que é um método, em geral, usado em períodos de transição – quando o anticoncepcional desejado não foi possível de ser obtido”. Nesses casos, a descontinuidade não ocorre por decisão da pessoa.

Sobre as mulheres que realizaram a substituição de um método para outro, Borges explica que a ação, geralmente, é motivada pelos efeitos colaterais: “Em geral, as trocas foram feitas por usuárias de métodos hormonais, principalmente os injetáveis”. Quanto àquelas que abandonaram o uso, o fizeram com a intenção de engravidar novamente.

Além dos citados acima, ela ressalta que outros fatores podem influenciar na decisão, já que a dinâmica contraceptiva é complexa e varia conforme os anticoncepcionais utilizados e as possibilidades de acesso a eles: “O fato de usar um método que não era exatamente aquele do seu interesse ou que produza intensos efeitos colaterais pode levar as mulheres a descontinuar o seu uso precocemente”.

Para evitar que a interrupção dos métodos aconteça, é necessário que o monitoramento médico continue no período após a interrupção, a fim de esclarecer dúvidas e orientar a paciente sobre como ela deve proceder. “A principal estratégia de garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres é a oferta de métodos contraceptivos ainda durante a hospitalização, para que possam contemplar sua intenção reprodutiva respeitando suas condições clínicas.”

Sobre o estudo, a professora comenta que a possibilidade de estimar as taxas de descontinuidade foi algo inédito no Brasil, visto que os últimos dados disponíveis neste tema eram de 1996. Ela também afirma que, a partir da pesquisa, as hipóteses sobre as taxas de descontinuidade contraceptiva serem altas se confirmaram, e que as restrições legais ao abortamento no Brasil resultam na assistência escassa a essas mulheres. “A precarização da atenção em contracepção no período pós-abortamento as tornam vulneráveis a uma nova gravidez antes do momento que consideram ideal, ou antes mesmo que tenham condições clínicas para engravidar novamente.”

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*