Provas de concursos públicos e da OAB afetam ensino jurídico

Qualidade nos cursos de direito cai enquanto desejo por aprovação em exames aumenta

Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP — Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Segundo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), o território brasileiro é aquele com mais faculdades de direito no mundo. A qualidade dos cursos superiores da área, porém, é baixa. O ensino jurídico focado na aprovação em concursos públicos e a forte presença do bacharelismo no país podem ser as razões para essa precarização.

Em 1995, o Brasil tinha 235 cursos de graduação em Direito disponíveis. Em 2018, o número passou de 1.500. No entanto, o estudo Exame de Ordem em Números revelou que, entre 963 cursos avaliados, apenas 232 foram considerados satisfatórios.

Paulo Schwartzman, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP e pesquisador da cultura jurídica no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), estima que diversos fatores cooperam para esse resultado. Entre eles, um ensino nas universidades com foco na aprovação dos alunos no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou em concursos públicos.

Universidades adaptam cursos de Direito para aprovar alunos na OAB. – Foto: Jose Carneiro/Flickr

“Algumas faculdades, vendo que o problema [dos alunos] era a prova da OAB, voltaram todo o ensino para passar no exame”, explica Paulo. Na edição da prova aplicada no segundo semestre de 2021, apenas 31,4% dos candidatos foram aprovados – e esse é o maior percentual de aprovação desde 2010.

Paulo Schwartzman, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP. – Foto: Paulo Schwartzman/LinkedIn

De acordo com o pesquisador, esse objetivo distorcido dentro das faculdades gera uma aprendizagem com pouco desenvolvimento de senso crítico pelos alunos. Os graduandos aprendem os conceitos com intuito de serem aprovados em processos seletivos, mas não entendem como aplicar e adequar eles à realidade da justiça brasileira.

“Na hora de escolher um juiz, por exemplo, não queremos um que saiba só o conteúdo”, aponta. “Queremos um juiz que seja crítico e que tenha capacidades pessoais”. As duas competências são pouco aprimoradas nas universidades.

Na USP, por exemplo, a matéria sobre Direito Romano – que introduz o aluno ao sistema jurídico romano e apresenta conceitos, presentes em exames conteudistas – é obrigatória aos graduandos. Já Direito, Equidade e Gênero, Direito e Desenvolvimento Democrático, Acesso à Justiça, Direito e Discriminação, Criminologia Crítica I e II e outras matérias, que abordam o cenário brasileiro e promovem um posicionamento crítico, são optativas aos alunos.

Esse apreço extremo por leis e códigos que afetam a qualidade do ensino jurídico não é novidade. “É uma tendência que a gente herdou da Península Ibérica, sobretudo, da colonização portuguesa”, explica Schwartzman.

Outra herança da cultura lusitana é a supervalorização dos bacharéis em Direito, conhecida como “bacharelismo”. Schwartzman avalia que esse forte reconhecimento social fez os concursos públicos e a prova da OAB se tornarem os objetivos principais dos estudantes.

A alta concorrência, no entanto, cooperou para que os exames transbordassem de perguntas com pouca sensibilidade social e se tornassem distantes da prática forense com intuito de aumentar o “corte” do número de candidatos. Por afetar os alunos, as faculdades tiveram que se adaptar, sucateando o ensino jurídico e o afastando da realidade.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*