A infecção pelo vírus SARS-CoV-2 é capaz de induzir uma produção mais ampla de autoanticorpos associados a doenças autoimunes do que se pensava. Essa é uma das conclusões do preprint — estudo não revisado por pares — feito por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e publicado na plataforma medRxiv.
Segundo Gabriela Crispim Baiocchi, doutoranda no programa de Pós-Graduação em Imunologia do ICB e uma das autoras da pesquisa, o estudo buscou identificar anticorpos associados às doenças em pacientes infectados em comparação com os saudáveis e mapear a intersecção entre a Covid-19 e a autoimunidade.
Anticorpos são proteínas que garantem a defesa do organismo e atuam para protegê-lo de partículas invasoras danosas. Autoanticorpos, pelo contrário, são moléculas que atacam as células e os tecidos do próprio corpo. Em níveis normais, eles são essenciais para a manutenção e equilíbrio das funções fisiológicas. Porém, se ocorrerem em grande quantidade, provocam doenças autoimunes. A autoimunidade, portanto, é uma condição em que o sistema imunológico perde a capacidade de diferenciar células invasoras das suas próprias células saudáveis.
Para investigar a relação entre a Covid-19 e a produção dessas proteínas, 171 adultos com testes positivos para a doença em diferentes estados de gravidade e 77 com testes negativos participaram do estudo. Inicialmente, amostras de sangue foram coletadas e utilizadas para realizar uma busca por autoanticorpos associados a doenças autoimunes. Posteriormente, foram feitas análises computacionais comparando os grupos saudáveis e os infectados para também mapear a ligação entre a gravidade da doença e a produção das referidas substâncias.
A pesquisadora afirma que, segundo os resultados, “a infecção por SARS-CoV-2 é capaz de desregular os níveis de autoanticorpos associados a diversas doenças autoimunes”. Foi constatado que a infecção pode resultar em autoimunidade. Os autoanticorpos associados a doenças autoimunes, como Alzheimer, diabetes tipo 1, artrite e lúpus sistêmico, foram detectados, mas ainda não é possível afirmar que indivíduos infectados são mais predispostos ao desenvolvimento dessas enfermidades.
De acordo com Baiocchi, as análises demonstraram que os alvos dos autoanticorpos elevados nos pacientes são envolvidos com processos biológicos associados à aprendizagem, memória e cognição. Isso sugere que a desregulação encontrada pode estar relacionada também a diferentes sintomas neurológicos, os quais são persistentes em pacientes com Covid-19 longa, ou seja, que apresentam sequelas duradouras.
Além disso, foi verificado que há um progressivo aumento dos autoanticorpos em pacientes com Covid-19 de acordo com a gravidade da doença: quanto mais grave, maior o número deles. A conexão entre o sintoma da anosmia, isto é, da perda de olfato, e o aumento dessas proteínas foi igualmente identificada.
Baiocchi diz que os resultados direcionam os autoanticorpos como alvos para estudos sobre seus potenciais terapêuticos e a respeito dos mecanismos que os geram. A pesquisadora acrescenta que os próximos passos são a validação das conclusões em um grupo diferente de pacientes, bem como a avaliação do papel dessas moléculas em pacientes com Covid-19 longa.
O estudo foi realizado pelo ICB em colaboração com pesquisadores de afiliações diversas dos Estados Unidos, Alemanha, Noruega e Israel.
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