Ciências: a constante luta por maior espaço no Brasil

Em um país onde os investimentos na divulgação científica são escassos, pessoas da área ainda lutam por melhorias e maior credibilidade e visibilidade

Pessoas em protesto pela ciência. Fonte: Luís Henrique Franco

Por Ana Carolina Harada, Luís Henrique Franco e Luíza Piassi

Com o fechamento da Estação Ciência em 2013, a diminuição do financiamento de museus e programas de ciência e do orçamento da área de maneira geral, fica claro que o desenvolvimento da questão científica no Brasil não é a prioridade do governo. Por conta disso, inúmeros cientistas e profissionais de ciência têm se mostrado indignadas com a decisão do governo, e lutam pelo maior reconhecimento da causa científica. Entender a importância dessa questão para o País mostra o quão abrangentes podem ser as motivações para a popularização da ciência e da tecnologia (C&T), desde a prosperidade nacional até o reconhecimento desse saber como parte integrante da cultura humana.

O Brasil dos museus

Foto da antiga Estação Ciência. Fonte:http://tudoeste.tudoeste.netdna-cdn.com/wp-content/files/sites/7/2016/05/estacao-ciencia-jg-04-na.jpg

Atualmente, boa parte do conhecimento do público sobre ciência se dá ou pelo ensino fornecido ou pela visitação de museus, que são umas das principais áreas de pesquisa e exposição de descobertas, teorias e saberes, além de ser uma forma bem eficiente de colocar o público leigo em contato com essas questões.

Nas últimas duas décadas, tem sido observada uma expansão significativa da atividade, com a criação de centros de pesquisa e museus, surgimento de novas revistas e websites, maior cobertura dos jornais, publicação crescente de livros e organização de conferências populares e eventos. Contudo, esse quadro ainda é frágil no Brasil, e uma parcela ainda grande da população não tem acesso à informação qualificada sobre C&T. Uma boa explicação para isso talvez seja o fato de os museus de ciência estarem fortemente concentrados em poucas áreas do país e o acesso deles depender da classe social. Uma pesquisa realizada por Ildeu Castro, professor do Instituto de Física da UFRJ, mostrou que a população em geral apresenta interesse por questões científicas (41% dos entrevistados disseram ter grande interesse no assunto), mas muitos afirmaram não ter acesso a esse conteúdo e não o verem sendo transmitido na televisão e nas mídias em geral.

A ciência enfrenta, hoje, o desafio de concretizar ideais presentes no cerne da informação e de quebrar as barreiras para o acesso à informação pelo público. Nesse quesito, a divulgação de ciência e tecnologia ganha grande responsabilidade por popularizar saberes de prestígio, credibilidade e ampla capacidade de intervenção na realidade social. Porém, a atuação do profissional que promove essa popularização é dificultada, às vezes, pelos próprios pesquisadores, que possuem motivações próprias além da socialização da ciência.

A situação dos museus se torna pior pelo fato de os investimentos na manutenção e preservação desses prédios serem pequenos, deixando muitos deles em estado lamentável ou em necessidade de reforma. A Estação Ciência, antigo prédio tombado pelo patrimônio histórico e sob a supervisão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo, era um dos principais locais com exposições relacionadas ao universo das ciências e de difusão de material científico para o público. Desde março de 2013, o local encontra-se fechado à visitação pública por conta da realização de uma reforma. Contudo, essa reforma encontra-se sem prazo para ser completada, e o prédio permanece fechado há quatro anos. Em 2016, o prédio foi devolvido ao governo do Estado de São Paulo e parece que a estação dificilmente será reaberta ao público novamente.

Fachada do prédio interditado do Museu Paulista. Fonte: Ana Harada

Outros museus sofreram com o mesmo processo no país. Entre os principais em São Paulo, está o Museu Paulista, popularmente conhecido como Museu do Ipiranga, também da USP, fechado em agosto de 2013 para reformas e com previsão incerta de ser reaberto até 2022.

A divulgação científica e o ensino atuais

Nos dias de hoje, vivemos um momento em que, apesar de termos muitas formas diferentes de realizar a divulgação de materiais, não se vêem tantas matérias a respeito de questões científicas. Poucos são os veículos que dedicam um espaço relevante para a divulgação de pesquisas e descobertas.

Para a professora Lígia Carvalhal, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP), a divulgação das teses e pesquisas da Universidade é bem realizada dentro do ambiente acadêmico, entre os próprios membros do Instituto. “Temos as publicações, o Jornal da USP, a Rádio USP, então a divulgação é bem feita inclusive na questão de mostrar a ideia da maneira como ela foi trabalhada na tese”, afirma. Contudo, a própria professora admite que essa divulgação não é bem realizada fora do ambiente da USP, e dificilmente chega ao povo. Ela ainda diz que muitos eventos aos quais costumavam vir famílias e pessoas interessadas estão com um público cada vez menor. Como exemplo, cita a Mostra de Microbiologia, na qual vinham inúmeras crianças e famílias em ônibus cedidos pelo Estado para ver setores voltados à questão microbiológica e que, aos poucos, foi deixando de ser feita, porque não haviam mais ônibus para trazer as crianças.

Para a professora Helena Nader, da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e membro do Conselho Superior do Capes e da coordenação de biológicas da Fapesp, a divulgação científica obteve algumas vitórias nas últimas décadas, mas “ainda há um longo caminho de convencimento e esclarecimento à sociedade da importância da ciência no dia a dia da vida de todos nós”. A professora também não deixa de associar a divulgação científica a um “bom sistema educacional, acessível a todos” e que seja o mais universal possível para garantir a todas as pessoas a conscientização sobre a ciência. Helena ainda afirma que existe interesse do público por matérias de cunho científico, como mostram pesquisas realizadas na década de 1980 e em 2015. “No entanto, os mesmos estudos também mostram que há muita falta de conhecimento e informação. Poucos sabem os nomes dos nossos principais cientistas, poucos conhecem como realmente funciona o sistema nacional de ciência e tecnologia.”

Outro aspecto importante no cenário científico do país e do mundo é justamente a educação e o ensino de ciências. Para Helena, “temos deficiências graves no ensino de ciências no Brasil, e isso tem sido comprovado pelo desempenho de estudantes brasileiros em índices internacionais como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes”. Segundo o índice, na avaliação de 2016, o Brasil ficou em 63° em ciências, 59° em leitura e em 66° em matemática. “São resultados muito preocupantes e, infelizmente, não vemos melhorias em um horizonte próximo, já que pouco tem sido feito para melhorar essa situação”.

Lígia Carvalhal também apresenta queixas contra o ensino científico no país, afirmando que as informações fornecidas em sala de aula não possuem significado, pois são informações das quais nem o professor possui inteiro conhecimento e que o aluno tenta guardar como algo teórico para ser usado na hora da prova, mas que por si só são pouco motivadoras e não levam a nenhum questionamento ou ação na vida prática. “Existem estudantes que se interessam por ciência, mas quase que por conta própria. O ensino não é visto como algo essencial, e eles não vêem conexão entre aquilo que aprendem na sala e a vida real”, explica. “Isso faz com que tudo fique restrito à sala de aula, arquivado”. Lígia defende a ida dos estudantes a campos de estudo e de pesquisa, como forma de obter contato com a questão prática da ciência, mas reconhece a dificuldade de se realizar essas atividades, devido à necessidade de dinheiro e organização.

Organizações em luta pela ciência

Entre as associações responsáveis pela defesa da divulgação e do incentivo à pesquisa científica, a mais ativa no Brasil é a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), presidida atualmente pela professora Helena Nader. “A SBPC é uma entidade civil, sem fins lucrativos ou posição político-partidária, voltada para a defesa do avanço científico e tecnológico, e do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil”, afirma a professora. “Desde sua fundação, em 1948, a SBPC exerce um papel importante na expansão e no aperfeiçoamento do sistema nacional de ciência e tecnologia, bem como na difusão e popularização da ciência no País.”

Helena também afirma que a Sociedade tem como uma de suas missões promover o conhecimento científico por meio da divulgação, realização de eventos e diversas outras atividades e que, para isso, dispõe de veículos próprios de comunicação, como o Jornal da Ciência, em formato eletrônico e em papel, e a Revista Ciência e Cultura, além de um contato permanente com veículos de comunicação de massa especializados. “A entidade tem exercido papel fundamental para garantir os avanços do conhecimento científico no País, contribuir com a melhoria da qualidade e da universalidade da educação, em todos os níveis e lutar junto ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo por melhorias e aperfeiçoamentos em legislações que possibilitem maior desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), e a garantia do financiamento a todo o sistema nacional de CT&I.

Entre os muitos projetos da SBPC, Helena destaca a SBPC Jovem, que tem como objetivo promover o contato de crianças e jovens com o conhecimento científico e com os pesquisadores, de forma a incentivar o interesse pela ciência, tecnologia e inovação. Além deste, o projeto SBPC vai à Escola, criado em 2016, também visa estimular a interação de pesquisadores e estudantes do ensino público através de palestras e atividades nas escolas. “O dia da Família na Ciência é outra atividade, realizada no último dia das Reuniões Anuais e Regionais da SBPC, com a programação dirigida à interação com a comunidade, mostrando que a ciência faz parte do dia a dia das pessoas”, acrescenta.

Dentro do Brasil, outra importante organização de divulgação científica é a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), que há 30 anos contribui para o debate de temas relevantes para a ciência, tecnologia e inovação, fomentando o estudo, a pesquisa e a prática do Jornalismo Científico. Como esse tipo de jornalismo interpretativo demanda uma formação mais ampla e consistente que leve o profissional de comunicação a sempre estar atrás de informações e a nunca aceitar simplesmente algo que lhe é falado, é objetivo da ABJC promover a aproximação entre o jornalista e o cientista, a fim de facilitar o acesso à informação tanto pelo repórter como pelo povo.

RedPop, rganização cujo propósito e ajudar na divulgação científica. Fonte: http://www.redpop.org/wp-content/themes/redpop/images/logo-header.png
Propaganda da ABJC. Fonte: https://www.allacronyms.com/1854265rbot.png

Outra importante organização é a RedPop, a Rede de Popularização de Ciência e Tecnologia da América Latina e Caribe, entidade que reúne diversos programas e centros de popularização de C&T e funciona mediante mecanismos de cooperação que favorecem o intercâmbio, a capacitação e o aproveitamento de recursos entre seus membros, com o objetivo geral de contribuir para o fortalecimento e a ativa cooperação entre os grupos, programas e centros de pesquisa e popularização, além de apoiar novas iniciativas na área de C&T. Fazem parte dessa rede centros de investigação, museus, centros interativos, parques ambientais, zoológicos, jardins botânicos, aquários, revistas e programas de divulgação. Entre os 60 membros atuais, 15 são brasileiros, entre os quais se destacam o Espaço Ciência Viva, a Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), O Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e o Projeto Imagine da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Uma marcha mundial

Marcha pela ciência no Brasil. Fonte: Luís Henrique Franco

Em face de uma crise que assola não só o Brasil, mas o mundo todo, no que diz respeito ao incentivo ao ensino e a pesquisa de ciências, ocorreu no dia 22 de abril de 2017, em diversos lugares do planeta, a Marcha pela Ciência, cujo objetivo principal era exigir uma maior credibilidade e visibilidade para a questão científica. No Brasil, 22 cidades foram mobilizadas pelo movimento. Em São Paulo, a concentração de pessoas ocorreu no Largo da Batata, reunindo aproximadamente 500 pessoas para lutar por alguns fundamentos em comum, entre os quais se destacam: a ciência em serviço de um bem comum; apoio à educação científica de ponta e pela comunicação aberta, honesta e ao alcance do público; luta por políticas e regulamentos de interesse público baseados em evidências e pelo financiamento de pesquisas científicas e suas ampliações.

Marcha pela ciência em Indianápolis, Estados Unidos. Foto do site oficial March for Science

Para Helena Nader, a Marcha não poderia ter ocorrido em momento mais propício para o Brasil. “É urgente que a comunidade e toda a população reajam ao aviltamento da ciência em nosso país. E foi graças à resposta de vários cientistas e amigos da ciência que 22 cidades brasileiras, espalhadas por 16 Estados da federação, aderiram ao movimento e realizaram, dentro de suas possibilidades, atividades em apoio à Marcha pela Ciência no Brasil”. Ela também afirmou que o mote principal do movimento foi o desmonte das instituições de pesquisa e universidades, com cortes constantes e sucessivos, e reitera que o movimento é importantíssimo e que deve ser uma luta permanente, de mobilização da sociedade, “até que possamos tornar a ciência permeável em nossa cultura”.

Entre aqueles presentes na Marcha estavam os membros da Banca da Ciência, coordenado pelo professor Luís Paulo Piassi, grupo criado na Escola de Ciências, Artes e Humanidades da USP (EACH-USP) com o objetivo de divulgar pesquisas científicas em escolas e estações de metrô. Por não possuir muitos membros, o grupo recebe pouca verba e possui dificuldades de realizar uma divulgação eficiente. “As pessoas têm pouco interesse, mesmo dentro dos próprios institutos, onde tem gente que não atua na divulgação científica porque está interessada mais na sua própria pesquisa”, explica um dos alunos integrantes do grupo. “Você pesquisa uma coisa nova, mas não tem como divulgar”. O baixo orçamento do projeto também se mostra como um problema, pois faz com que muitos pesquisadores não levem o grupo a sério. Assim, a divulgação do projeto fica restrita às pesquisas feitas pelos próprios professores coordenadores.

Embora tenha sido menor e menos visível do que em outros países, o movimento no Brasil serviu como um pontapé inicial em um país onde a ciência não é muito divulgada para o público e os cientistas não têm o costume de se reunirem fora das áreas de pesquisa para falar ao povo.

Novas formas de divulgação das ciências

Com a explosão e crescimento da internet e das redes sociais, tornou-se muito mais fácil divulgar informações a um grande público, devido à facilidade com que essas ferramentas chegam às casas e são lidas pelas pessoas. Por conta dessa facilidade, muitos têm tentado usar veículos virtuais e redes sociais para realizarem a divulgação de assuntos científicos. Um grande exemplo é a quantidade de canais no Youtube dedicados à criação de conteúdos científicos. No Instituto de Biologia da USP, um bom exemplo é o canal do Pirula, que recebeu bom incentivo dos alunos e dos professores para realizar a divulgação científica através de um meio audiovisual.

Outro projeto, criado em 2014 com objetivo de levar a ciência a uma população que, de outra forma, estaria fora desse dia-a-dia, é o Scicast, um podcast com programas de uma hora e meia a duas horas toda semana que leva ao público conteúdo científico revestido de humor. “A partir do momento em que a gente consegue transformar algo muito técnico em algo mais acessível, a gente conversa com a população”, explica Fernando Malta, um dos organizadores do projeto. “A gente fala com profundidade e, ao mesmo tempo, com leveza, fazendo com que a mensagem seja passada e possa se expandir”.

A opção pelo podcast surgiu pelo fato de que é uma forma em que as pessoas podem ouvir ao conteúdo em qualquer lugar e fazendo outras atividades, não demandando toda a atenção de um meio mais visual.

Fernando reconhece que o projeto enfrenta a dificuldade de transformar um tema complexo em algo mais palpável. “São pautas que requerem muito estudo, e depois tem o processo de traduzir o conteúdo para o público”, esclarece, afirmando também que ciência não é um assunto “sexy” e, por isso, acaba tendo menos apelo.

Presentes na Marcha pela Ciência, os organizadores do Scicast buscam informar as pessoas sobre essa nova forma de divulgação e ampliar o público que busca por esse conhecimento. Helena Nader defende essas formas de divulgação do conteúdo científico em um país onde o estudo de ciências está longe de ser a prioridade do governo, mas frisa que a prioridade para essa divulgação deve ser a luta por um sistema educacional universal e acessível a todos. “Somente com esse grau de informação e conscientização é que se pode haver uma democratização do conhecimento científico, onde as pessoas têm ferramentas capazes de influir nas decisões políticas sobre o que o país deve realizar no campo da ciência, tecnologia e inovação.”

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