A Copa de 2014 para além dos campos e suas resistências

Pesquisa evidencia as outras dimensões da Copa sediada no Brasil enquanto megaevento e a permanência de seus impactos no presente

Copa pra quem? [Arte: Carolina Borin Garcia]

O ano de 2022 constitui-se como uma data historicamente marcante em inúmeros sentidos, no Brasil e no mundo. Para além da comemoração do Centenário da Semana de Arte Moderna e do Bicentenário da Independência, neste ano, ocorrerá a Copa do Mundo, sediada no Catar. Como um megaevento, as copas mobilizam um grande contingente de pessoas e evidenciam inúmeras questões, que extrapolam o campo esportivo.

Em 2014, o Brasil sediou a Copa, que foi o objeto de estudo da pesquisadora Juliana Gomes Machado Brito em seu mestrado na Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Intitulada Copa pra quem? – Estado de exceção e resistências em torno da Copa do Mundo FIFA 2014, a pesquisa buscou compreender os impactos sociais, políticos e normativo-legais da Copa do Mundo de 2014.

Juliana pontua que no período de preparativos para o megaevento foi aprovado um conjunto de normas e leis de caráter excepcional. “Comecei a perceber que essas medidas estavam se infiltrando no sistema de normas do país e pareciam que não iam passar”. Exemplo disso foi a lei do Regime Diferenciado de Contratação de Obras Públicas, que instituiu novas regras, aumentando o limite das licitações e supostamente agilizando o processo licitatório e as obras. Porém, o que se observou foi uma menor eficácia, já que a redução do tempo comprometeu a qualidade do serviço prestado e abriu margem para superfaturamentos.

Construção do Aeroporto de S.G. do Amarante em Natal no ano de 2013 [Imagem: Reprodução / Wikimedia Commons]
Esse movimento foi acompanhado por modificações do espaço urbano supostamente “necessárias” para a Copa. Sobretudo nas cidades-sede, foram feitas grandes obras de mobilidade urbana e de construção de estádios e arenas. Tais projetos ficaram marcados não só pela sua demora e alto custo, mas também pelos impactos gerados na população local relacionados, por exemplo, às questões de moradia. “A ideia de que por ser um evento especial, excepcional gera a sensação de que é preciso passar a boiada, o que foi feito e abriu espaço para a suspensão de uma série de direitos”, afirma a pesquisadora. 

Inúmeras denúncias foram feitas sobre remoções de populações de suas casas devido às obras. Segundo dados do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro, no período de preparação dos dois eventos, estima-se que 30 mil pessoas estavam sendo removidas ou sob ameaça de remoção. Os números demonstram que a Copa impulsionou um novo vetor de expansão imobiliária e um processo de segregação do espaço, que se manifestou também na estrutura social, aprofundando desigualdades já existentes, inclusive, após 2014. “São as consequências desse momento em que o Brasil foi um laboratório, tal como a África do Sul em 2012, de experimentação urbana”, diz Brito.

Protesto em Copacabana contrário à realização da Copa [Imagem: Reprodução / Wikimedia Commons]
Juliana, porém, ressalta: “Apesar dessa goleada de sete a um que a gente tomou na Copa de 2014, não só dentro de campo, mas também fora dele, houve muita luta, muita resistência”. As comunidades afetadas, junto aos Comitês Populares da Copa e outros movimentos sociais, foram as principais lideranças dessas mobilizações, que se deram, sobretudo, na forma de protestos de rua, fortemente reprimidos pelas forças policiais.

Outro expoente dessa luta foram as Copas Rebeldes. Articulada pelos próprios movimentos, foi uma iniciativa de ocupação de um terreno público, vazio no centro de São Paulo. Juliana relata: “Os movimentos organizaram um campeonato de futebol, uma Copa Popular que visava dizer que o problema não era o futebol, mas, sim, a apropriação que era feita”.

Copa Rebelde realizada na cidade de São Paulo como forma de resistência à Copa de 2014 FIFA [Imagem: Reprodução / Facebook Comitê Popular da Copa 2014 em SP / Danilo Via]
Nas vésperas de mais uma edição da Copa do Mundo, inúmeras polêmicas já foram levantadas, como a utilização de trabalho escravo na construção das arenas ou ainda o cerceamento de liberdades observado no Catar. Juliana pontua que trata-se de mais um novo capítulo desse processo, já percebido nos preparativos para 2014, no qual a excepcionalidade e a dimensão de megaevento mascara problemas sociais e políticos.

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